Pássaro que voa acha comida.
Pássaro que fica parado, morre.
Não foi um dos meus filmes preferidos de Bergman, mas mesmo assim, valeu. Como o previsto, trata de questões religiosas, apegos, valores, rancor e compaixão. É como se tudo na vida fosse causado por uma vontade divina. Se é assim, como responder ao horror com o mesmo ódio? Dar o troco, na mesma moeda, corresponde a um drama perpétuo. Enquanto aquele que é mau (por natureza) tem seu sono tranquilo; o outro - o vingador, paga com a culpa eterna (por que é bom). Na Suécia do século XIV, Töre e sua mulher Märeta formam um casal que tem uma propriedade rural. Cristãos fervorosos, incumbem sua filha única, Karin, uma bela adolescente virgem, de quinze anos, de levar velas à igreja do vilarejo próximo e acendê-las em louvor à Virgem Maria.
Com licença da mãe, ela veste seu mais valioso vestido e parte, a cavalo, através de uma floresta, para realizar a missão a ela confiada. Acompanhando-a, segue ao seu lado, Ingeri, uma criada tida como filha adotiva do casal Töre, que se esta grávida (segundo ela, foi forçada a isso). Ingeri é rancorosa, vê na sua má sorte um desprezo pela vida (e por Karin). A donzela, que é reflexo de toda uma pureza que vai além de qualquer personagem atuante.
No caminho, ao passarem por um culto de magia, Ingeri diz à Karin que vai voltar, por achar que anoitecerá antes que elas consigam chegar à igreja. Decidida a atender ao pedido dos pais, Karin segue em frente sozinha. Enquanto isso, movida por um enorme ciúme que sente da jovem, Ingeri participa de um ritual do culto a Odin, com a intenção de que algo de mal ocorra à Karin. Em seguida, passa a acompanhá-la, mantendo uma certa distância da jovem.
Ao encontrar dois pastores de cabras e um garoto, Karin os convida para dividir uma refeição que sua mãe havia preparado para ela. Em seguida, é agredida sexualmente pelos dois homens, os quais, após estuprá-la, a matam com um porrete. Ingeri apenas assiste a tudo.
Quando a noite cai, ironicamente os criminosos vão pedir comida e abrigo aos pais de Karin. São recebidos cordialmente e, depois de acomodá-los, Töre lhes promete trabalho. Märeta mostra-se nervosa, pois a filha ainda não retornou da igreja, mas o marido tenta tranqüilizá-la dizendo-lhe que em outras ocasiões Karin dormiu no lugarejo.Durante a noite, o irmão mais jovem não consegue jantar e seus sonhos são atordoantes. Eis então, que o garoto olha para o fogo e surge em sua mente a realidade.
Um homem demonstrando piedade lhe diz:"Veja como é a fumaça, tremula pelo teto...como se estivesse com medo.Mas ela só precisa do ar...e lá fora, ela tem todo o espaço para si.Mas ela não sabe disso...por isso fica aqui, trêmula, pressa sob o telhado.Acontece o mesmo com o homem.Ele treme como uma folha ao vento...pelas coisas que sabe e que não sabe.Você tem que atravessar sobre um tronco fino. Tão fino, que não saberá onde se segurar pra não cair.Sob você, há um rio...um rio negro que quer engolir você.Mas você sai ileso.Agora há uma vala à sua frente...tão profunda que não consegue ver o fundo.
Mãos se estendem para você, mas não conseguem alcançá-lo.
Finalmente, você se vê diante de uma montanha de horror. Ela cospe um fogo ardente... e um buraco assustador se abre. Chamas de todas as cores saem dele - cobre, ferro... azul vitríolo e amarelo-esverdeado. Raios saem das chamas que cegam e correm as rochas... e homens parecem indefesos como formigas. Esta fornalha... devora assassinos e estupradores. Quando você acha que está perdido uma mão o agarra... e um braço o abraça e o leva para longe... onde o mal não terá mais poder sobre você".
O temor da mãe se concretiza quando um dos pastores, sem imaginar onde se encontram, tenta vender, à Märeta, um vestido que alega ter sido de uma irmã dele. Ela reconhece o vestido de sua filha e, controlando-se, promete-lhe friamente pensar no assunto e falar com o marido. Ao falar com Töre, os dois têm certeza do triste destino da filha, pois a peça acha-se suja de sangue.
Ao encontrar-se com Ingeri, Töre toma conhecimento dos detalhes do brutal ataque sofrido pela filha, que a levou à morte. A jovem pede-lhe perdão por se sentir culpada pelo ocorrido à Karin. Movido por um forte sentimento de vingança, Töre mata os dois criminosos e o menino.
Na manhã seguinte, guiados por Ingeri, todos seguem até o local onde se encontra o corpo de Karin. Enquanto Märeta abraça-se ao corpo da filha, Töre, em sua crise de desespero, interroga Deus sobre os motivos que o levaram a permitir tamanha tragédia. A seguir, entretanto, ele implora seu perdão por seus pecados e promete construir, com suas próprias mãos, uma igreja no local, em penitência por sua vingança sanguinária (especialmente pela morte do pequeno menino inocente).
Ao retirarem o corpo de Karin, surge milagrosamente uma fonte de água exatamente no local onde o mesmo se encontrava.Uma lenda medieval sueca inspirou a fábula "A Filha de Töre em Vangé". "A Fonte da Donzela", por sua vez, foi baseada nessa fábula. Realizado pelo grande mestre do cinema sueco, Ingmar Bergman, sua trama gira em torno de uma jovem adolescente e virgem que, ao ser estuprada e morta, faz surgir milagrosamente uma fonte de água no local do crime.
Soberbamente fotografado em preto-e-branco por Sven Nykvist, parceiro de Bergman em inúmeros filmes, esta magnífica produção carrega consigo uma mensagem de fé e esperança do homem, mesmo depois de passar por uma enorme tragédia.