Trecho de leitura - Arthur Schopenhauer - O mundo como vontade e como representação
Em todo grau que o conhecimento brilha, a Vontade aparece como indivíduo.
No espaço e no tempo infinitos o indivíduo humano encontra a si mesmo como finito, em consequência, como uma grandeza desvanecendo se comparada àquelas, nelas imergindo e, devido à imensidão sem limites delas, tendo sempre apenas um QUANDO e um ONDE relativos de sua existência, não absolutos. Pois o lugar e duração do indivíduo são partes finitas de um infinito, de um ilimitado. Sua existência propriamente dita se encontra apenas no presente, e seu escoar sem obstáculos no passado é uma transição contínua na morte, um sucumbir sem interrupção; visto que sua vida passada, tirante suas eventuais consequências para o presente, e tirante também o testemunho sobre sua vontade ali impresso, já terminou por inteiro, morreu e não mais existe.
Eis porque, racionalmente, tem de lhe ser indiferente se o conteúdo daquele passado foram tormentos ou prazeres. O presente, entretanto, em suas mãos sempre se torna o passado; já o futuro é completamente incerto e sempre rápido. Nesse sentido, sua existência, mesmo se considerada do lado formal, é uma queda contínua do presente no passado morto, um morrer constante. Se vemos a isso também do ponto de vista físico, é então manifesto que, assim como o andar é de fato uma queda continuamente evitada, a vida de nosso corpo é apenas um morrer continuamente evitado, uma morte sempre adiada.
Por fim, até mesmo a atividade lúcida de nosso espírito é um tédio constantemente postergado.
Cada respiração nos defende da morte que constantemente nos aflige e contra a qual, desse modo, lutamos a cada segundo, bem como lutamos nos maiores espaços de tempo mediante a refeição, o sono, o aquecimento corpóreo, etc. Por fim, a morte tem de vencer, pois a ela estamos destinados desde o nascimento e ela brinca apenas um instante com sua presa antes de devorá-la. Não obstante, prosseguimos nossa vida com grande interesse e muito cuidado, o mais longamente possível, semelhante a alguém que sopra tanto quanto possível até certo tamanho uma bolha de sabão, apesar de ter certeza absoluta de que vai estourar.
Vimos na natureza destituída de conhecimento que a essência íntima dela é um esforço interminável, sem fim, sem repouso, o que nos aparece muito mais distintamente na consideração do animal e do homem. Querer e esforçar-se são sua única essência, comparável a uma sede insaciável. A base de todo querer, entretanto, é necessidade, carência, logo, sofrimento, ao qual consequentemente o homem está destinado originariamente pelo seu ser. Quando lhe falta o objeto do querer, retirado pela rápida e fácil satisfação, assaltam-lhe vazio e tédio aterradores, isto é, seu ser e sua existência mesma se lhe tornam um fardo insuportável. Sua vida, portanto, oscila como um pêndulo, para qui e para acolá, entre a dor e o tédio, os quais em realidade são seus componentes básicos. Isso também foi expresso de maneira bastante singular quando se disse que, após o homem ter posto todo sofrimento e tormento no inferno, nada restou para o céu senão o tédio.
Entretanto, o esforço contínuo que constitui a essência de cada fenômeno da Vontade adquire nos graus mais elevados de objetivação dela seu primeiro e mais universal fundamento, pois, aqui, a Vontade aparece num corpo vivo com o seu mandamento férreo de alimentação. O que dá força a este mandamento é justamente que o corpo é apenas a Vontade de vida mesma, objetivada. O homem, como objetivação perfeita da Vontade, é, em conformidade com o dito, o mais necessitado de todos os seres. Ele é querer concreto e necessidade absoluta, é uma concretização de milhares de necessidades. Com estas, encontramo-lo sobre a face da terra abandonado a si mesmo, incerto sobre tudo, menos em relação à sua carência e miséria. Em conformidade com isso, os cuidados pela conservação daquela existência, em meio a exigências tão severas que se anunciam todos os dias, preenchem via de regra a vida do homem. A isso logo se conecta imediatamente uma segunda exigência, a da propagação da espécie. Entrementes, ameaçam-no de todos os lados perigos os mais variados, para escapar dos quais precisa de contínua vigilância. Com passo cuidadoso, tatear angustiante, segue o seu caminho, enquanto milhares de acasos, milhares de inimigos lhe preparam emboscadas. Assim já caminhava no estado selvagem, assim caminha agora na vida civilizada; não há segurança alguma para ele.
"Ah, em que trevas da existência, em que grandes perigos,
é a vida despendida, pelo tempo em que dura".
A vida da maioria das pessoas é tão-somente uma luta constante por essa existência mesma, com certeza de ao fim serem derrotadas. O que as faz, por tanto tempo, travar essa luta árdua não é tanto amor à vida, mas sim temor à morte, que, todavia, coloca-se inarredável no pano de fundo, e a cada instante ameaça entrar em cena. A vida mesma é um mar cheio de escolhos e arrecifes, evitados pelo homem com grande precaução e cuidado, embora saiba que, por mais que seu empenho e arte o leve a se desviar com sucesso deles, ainda assim, a cada avanço, aproxima-se do total, inevitável, irremediável naufrágil, sim, até mesmo navega direto para ele, ou seja, para a MORTE. Esta é o destino final da custosa viagem e, para ele, pior que todos os escolhos que evitou.
Ao mesmo tempo, contudo, é bastante digno de nota que, de um lado, os sofrimentos e aflições da vida podem tão facilmente aumentar em tal intensidade que a morte mesma, de cuja fuga toda a vida consiste, é desejável e o homem voluntariamente a abraça; de outro, por sua vez, tão logo a necessidade e o sofrimento deem algum descanso ao homem, de imediato o tédio se aproxima tanto que necessariamente ele precisa de passatempos. O que mantém todos os viventes ocupados e em movimento é o empenho pela existência. Quando esta lhes é assegurada, não sabem o que fazer com ela. Por conseguinte, a segunda coisa que os coloca em movimento é o empenho para se livrarem do lastro da existência, torná-la não sensível, "matar o tempo", isto é, escapar do tédio. Daí vermos quase todos os homens, uma vez seguros contra a miséria e as preocupações e após terem finalmente se livrado de todos os outros lastros, se tornarem um peso para si mesmos e olharem a cada hora morta como um ganho, portanto toda abreviação daquela vida cuja manutenção a mais longa possível tinha sido objeto de todos os seus esforços. De modo algum o tédio é um mal a ser desprezado; por fim ele pinta verdadeiro desespero no rosto. Ele faz seres, que se amam tão pouco como os humanos, frequentes vezes procurarem-se uns aos outros, e torna-se assim a fonte da sociabilidade. Também em toda parte, por meio da prudência estatal, são implementadas medidas públicas contra o tédio, como contra outras calamidades universais; porque esse mal, tanto quanto seu extremo oposto, a fome, pode impulsionar o homem aos maiores excessos: o povo precisa de "Pão e circo". O rígido sistema penitenciário da Filadélfia torna, pela solidão e a inatividade, o mero tédio um instrumento de punição: algo tão terrível que já levou detentos ao suicídio. Ora, assim como a necessidade é a praga do povo, o tédio é a praga do mundo abastado. Na vida civil o tédio é representado pelo domingo, e a necessidade pelos seis dias da semana.
Portanto, entre querer e alcançar, flui sem cessar toda a vida humana. O desejo, por sua própria natureza, é dor; já a satisfação logo provoca saciedade: o fim fora apenas aparente: a posse elimina a excitação, porém o desejo, a necessidade aparece em nova figura; quando não, segue-se o langor, o vazio, o tédio, contra os quais a luta é tão atormentadora quanto contra a necessidade. Quando desejo e satisfação se alternam em intervalos não muito curtos nem muito longos, o sofrimento ocasionado por eles é diminuído ao mais baixo grau, fazendo o decurso da vida o mais feliz possível. Aquilo que se poderia nomear ao lado mais belo e a pura alegria da vida, precisamente porque nos arranca da existência real e nos transforma em espectadores desinteressados diante dela, é o puro conhecimento que permanece alheio a todo querer; é a fruição do belo, a alegria autêntica na arte. Mas mesmo isso requer dispositivos raros e cabe apenas a pouquíssimos e, mesmo para estes, é um sonho passageiro. Ademais, justamente as elevadas faculdades espirituais desses poucos os tornam suscetíveis a sofrimentos bem maiores que aqueles que os obtusos jamais podem sentir, e os coloca, dessa forma, solitários entre seres marcadamente diferentes, pelo que, ao fim, as coisas se equilibram. Todavia, para a maioria dos homens as fruições intelectuais são inacessíveis. Eles são quase incapazes de alegria no puro conhecimento: estão completamente entregues ao querer. Se, portanto, algo lhes granjeia a simpatia e deve ser INTERESSANTE (o que já se encontra na significação da palavra), tem de algum modo de lhes estimular a VONTADE, mesmo que só numa relação distante, situada só nos limites da possibilidade. Vontade que jamais pode ficar fora de jogo, porque a existência desses homens está mais no querer do que no conhecer: ação e reação são seu único elemento.
Não importa o que a natureza ou a sorte tenham feito, não importa aquilo que alguém é ou aquilo que alguém tem: a dor essencial à vida nunca se deixa eliminar.