Ser feliz

"É do presente e só do presente, que temos consciência" (Roupnel)

Se nosso coração fosse amplo o bastante para amar a vida em seus pormenores, veríamos que todos os instantes são a um tempo doadores e espoliadores e que uma novidade recente ou trágica, sempre repentina, não cessa de ilustrar a descontinuidade essencial do Tempo.

Segundo Guyau, é preciso desejar, é preciso querer, é preciso entender a mão e caminhar para criar o futuro. O futuro não é aquilo que vem em nossa direção, mas aquilo em direção ao qual nos dirigimos".

*O sentido e o alcance do futuro estão inscritos no próprio presente.

A artista plástica Susana Urribarri diz que aprendeu a ser feliz com a liberdade de pintar. “Quando se tem um papel branco pela frente, podemos usar cores horrorosas que jamais poderíamos pensar em combinar, traços livres que podem ou não dizer alguma coisa, formas cheias e definidas ou não-formas. Nada está errado, nada tem de ser nada”.
Ela acha que, assim como na pintura, a abertura é uma condição bastante essencial na busca da felicidade, já que não existe um padrão fixo para ela. É aquela história da borboleta: se você vai muito atrás da felicidade com uma rede, ela pode se espantar e não chegar perto de você. Se você ficar quietinho e aberto, pode até ser que ela pouse em seu ombro.
(reportagem revista Vida Simples, por Liane Alves)

“Somos, pelo que sabemos, a única espécie capaz de refletir sobre a própria mortalidade, as únicas criaturas deste planeta capazes de vislumbrar o fim da própria existência”.
(Mark Kingwell no livro Aprendendo Felicidade)

“Há duas catástrofes na existência, a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são”.
(George Bernard Shaw)

“Siga sempre sua bem-aventurança, aquilo que você acha que vai fazê-lo feliz. Temos de aprender a abdicar da vida que planejamos para ter a vida que está esperando por nós”
(Joseph Campbell)

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Sonho o poema de arquitetura ideal
Cuja própria nata de cimento
Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
Faíscas das britas e leite das pedras.
Acordo;
E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
Acordo;
O prédio, pedra e cal, esvoaça
Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido.
Acordo!
Os olhos chumbados pelo mingau das almas
E os ouvidos moucos,
Assim é que saio dos sucessivos sonos:
Vão-se os anéis de fumo de ópio
E ficam-me os dedos estarrecidos.
Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
Sumidos no sorvedouro.
Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
No topo fantasma da torre de vigia
Nem a simulação de se afundar no sono.
Nem dormir deveras.
Pois a questão-chave é:
Sob que máscara retornará o recalcado?
A Fábrica do PoemaWaly Salomão












É A COREOGRAFIA DOS MEUS LÁBIOS

É a coreografia dos meus lábios,

Embalada ao som do meu aparelho fonador.
Você não poderá dizer que são só palavras,

Jamais inverterá minha intenção de que o desenho largo ou oval
Da minha boca possa se constituir de uma composição.
Mas o corpo todo quer essa dança.

O problema é que não consigo compilar.
O corpo quer essa dança, pois tudo sai na mesma cadência.
Posso virar uma cambalhota ao mesmo tempo em que digo um ai.

Posso falar um poema ao passo que recrio uma canção.
Posso saltar, como um soluço...
[Da lágrima que não ouso há tempos].
Posso virar uma cambalhota?
Gosto de mover meus lábios e gosto da música

Do aparelho fonador...
Enaltece a alma e esclarece.
Mas não é nada disso, não se iluda!
Isso é só aparência,

É apenas uma coreografia [dos meus lábios]
E a música quem faz? ...É meu aparelho fonador.
Se puder mandarei eles pararem, os lábios

Pois os pés estão invejosos e as coxas também!
A bem da verdade, para quê tanta coxa, se não posso saltar?
E a atração mimética por asas, se possuo somente braços...
São compridos os braços
E gostam de estar no lugar das pernas – às vezes.
São compridos, mas não o suficiente para alcançar...
Tudo que os olhos enxergam.
Queria ser míope.

[Em vez de míope, medíocre!]
Sempre compridos os braços e grandes os olhos;

[Grandes e tímidos.]
Pena que não podem falar.
Mas quem precisa de mais fala com uma boca deste tamanho?
E não há nada de mal em eu querer dançar uma valsa.
E os pés pedem permissão para os lábios...

São eles que ditam a medida das coisas.
E o resto do corpo também se assanha: quer ser movente.
Alguém manda a boca calar?
Daqui um pouco a música acaba,Aquela, do aparelho fonador.

Daqui um pouco o resto do corpo terá espaço:
Fim do monopólio dos lábios!
Todas as partes merecem espaço.

Tudo que move é sagrado, diria o poeta...
Mas os olhos atrapalham.

Já viram muitas coisas, mas sempre querem rever:
A mesma coisa.
[É o conforto das sensações já sentidas;

Nada de riscos, essa é a ordem!
VeladaEscondida no mar das boas e novas intenções.
todas querendo se estabelecer/permanecer]
Deixe o corpo dançar!

Cala a boca!
Por favor, alguém me faça parar.
Pois não há nada de mal em eu querer dançar uma valsa.
___________________________Lu, 21 de fevereiro de 2004Este texto faz parte da coreografia “Um corpo bem de perto” – As partes que estão entre os [colchetes] não são ditas em cena, mas, foram escritas. Por isso vêm para o site.




































ACABO DE NÃO MORRER

Acabo de não morrer!

A todo instante poderia dizer isso..
Todo o dia, até o fim.
Acabo de não morrer significa “agora”...
Poder pronunciar “agora” é não estar morto.
É por em evidência a motricidade;
(fr)agilidade.
Caminha, agora, mas move-te rápido,

Antes que te alcance, a morte.
Sim, foge da morte, anda rápido, corre!
Contudo, prolongue teu instante sem fazer-te vil,

Sem enrijecer a carne, sem trancar os orifícios.
Prolongue teu instante sem deixar de ser “motor”,
Sem deixar de ter caminho,
Sem largar a mão da sorte.
Que sorte ser “agora”, que sorte todo o dia,

Até o fim.
Até que – forte – eu diga: acabo de não morrer.
____________________Lu, novembro de 2005Época em que estive doente várias vezes...

No acúmulo de espetáculos, exame de qualificação de mestrado, aulas a serem dadas e feitas, viagens entre Ijuí, Porto Alegre e Cruz Alta, toda a semana... E o corpo, como se fosse de um super homem a continuar e a brigar com os seus limites... Para estar presente, em cena, na dança, na vida.
















O SILÊNCIO É AZUL

O silêncio é azulSegredo da almaEu sou transparenteNão rimo com nadaSou só coraçãoAtenção!Tem gente na portaNão tem como entrarO vento está soltoNão rimo com nadaNão tem como entrarAzul do luarExiste lugarSegredo da almaAzul do lugar
Há vento na portaO vento é que bateParece pessoaParece lembrançaSilêncio parece
Silêncio tem corA cor é azulO vento é vermelhoA porta é marromNão tem como abrirO salto é vermelhoSapato vermelhoCombina com a portaQue bate e congelaO tempo e a esperaA cor e o lugar.
____________________Lu, setembro de 2003Este poema faz parte de uma composição chamada “Um outro verso”, coreografia feita por mim para ser dançada por Rubiane Zancan. A dança da Rubi compõe o verso final do poema...




















ROMÃ

Cada sementeCintilaTransparenteCaleidoscópio minúsculoEntre minúsculos paresTodos eles se ajeitamAo ladoUm Do outro.As SaliênciasProtuberânciasSutisArredondadasAquosasProntas para a mordidaProntas para não ser maisMais sementesTodos grãosPossibilidadesVidaOutra raizOutra sementeMenteNão calaSuportaSe enterraSucumbeEmergePara cimaPara os ladosTodas as folhasFloresCoresCheirosInteirosPela metadeNão se sabeIntui-seCaiQuebraEcoaSe espalhaOutra vez.
__________________________________Lu, 26 de novembro de 2002 - 00:30Obs.: Quando terminar, leia, também, de baixo para cima, para “reconstituir” o romã...