Escolher é refazer. Palavras são soltas. Pensamentos são expressos. Gestos são construídos. O que é a vida além das escolhas? Primar então, pelo melhor, é buscar ultrapassar o simplesmente simplório. Almejar o além, uma transmutação, crisalidar. Reunir o que se admira. A arte maior está em fazer da própria existência algo único. Alma incandescente que aspira por uma obra maior. "A VIDA É CURTA DEMAIS PARA SER PEQUENA" (Disraeli)
Agora, folheando papéis guardados, encontrei este recorte.
Puro e sincero.
É apenas um pequeno pedaço de folha. Um caminho percorrido por uma tesoura guiada por uma mente inquieta. Sempre em busca de algo significativo. Transbordante.
O achado não guardava seu autor.
As últimas palavras já estavam transformando-se em neblina. O tempo torna a escrita esbranquiçada e difusa, mas a ideia continua a pulsar.
Trata de um pensamento muito íntimo e belo - tudo o que guardamos merece consideração. Senti simpatia por suas palavras - obra de um meditabundo.
"Esquecer insensivelmente a coisa que olhamos.
Esquecê-la pensando nela,
por uma transformação natural, contínua, invisível, em plena luz, imóvel, local, imperceptível...
como aquele que, ao comprimir, escapa um pedaço de gelo.
E inversamente.
Encontrar a coisa esquecida olhando o esquecimento.
Acontece-me com frequência, quando esqueço uma determinada coisa, de começar a me observar para perceber esse estado e essa lacuna.
Quero me ver esquecendo, sabendo que esqueci, e procurando.
Talvez seja este um método, opor a toda falha mental seu estudo imediato pela consciência?
Assim (ou contrariamente), a própria dor empalidece, por um momento, quando a olhamos de frente - se pudermos.
Esqueço que devo sair esta noite.
Sonho com meus chinelos.
Mas o começo da ação me faz pensar no bem-estar que se seguirá, e esse gosto antecipado me leva à complacência com minha noitada íntima. Lá, naquele lugar espiritual, no tempo futuro, já se encontra alguma coisa: o lugar aonde eu devia ir desperta com sinais obrigatórios, e o local reservado recusa-se a receber minha noitada tranquila.
Lembro-me da injunção, como consequência de tê-la esquecido, por tê-la esquecido com demasia precisão".
Paul Valéry?
Talvez.
"As produções da arte sugerem a ideia de homens mais precisos, mais donos de si mesmos, de seus olhos, de suas mãos, mais diferenciados e articulados do que aqueles que contemplam a obra feita e não enxergam os ensaios, os arrependimentos, as desilusões, os sacrifícios, os empréstimos, os subterfúgios, os anos e, finalmente, as circunstâncias favoráveis - tudo quanto desaparece, tudo o que está mascarado, dissipado, reabsorvido, calado e negado - tudo o que é conforme a natureza humana e contrário à sede do maravilhoso".