Cisne negro



Na vida real nos perguntamos:
Será que todo herói deve morrer ao final?
O que é a obsessão por sua arte? pela ação perfeita? 
Será que todo grande artista só o é quando desaparece fisicamente? O importante é a memória? Também penso que uma existência deve ser a mais plena possível e não a mais duradoura. Mas será que não pode haver um equilíbrio entre o estar presente ou não? É difícil dizer. Talvez qualquer pessoa daria toda a sua vida por um instante sublime. Afinal, aonde está a glória em repetir sempre a mesma rotina entediante? Muitos entre nós buscam a superação. É assim que são importantes. Pessoas que gostam de serem notadas, vistas, apreciadas. Há medalhas pra tudo hoje. 
Jesus Cristo, segundo a religião católica, também perdeu a vida por sua excelência.
Se é assim, menos esperanças temos em nós, os mortais comuns. Não adianta dizer: é apenas um filme. Tudo o que criamos faz parte de nós, está em algum lugar, mesmo que na mais amarga escuridão. Ou em sonhos. Na imaginação. Não há limites. E muitas vezes, obviamente, o que construímos mentalmente nem sequer existe em efetivo.
Ontem assisti no cinema a um filme muito bem conceituado pela crítica especializada: Cisne Negro.
Uma dançarina de balé que precisa representar dois papéis com o máximo de perfeição pra ser a personagem principal em um mundo de muitas disputas. Menina meiga. Tão bondosa e gentil que a impede de desenvolver com intensidade o outro extremo exigido. Um cisne branco. Precisa ser técnica, conhecedora, ter ritmo, mas por outro lado, precisa se soltar, ousar, amar e seduzir. Ser cisne negro. A outra metade. Ela se esforça. E isso vira paranóia. Obsessão pelo acerto. Todos tornam-se inimigos. E ela passa a fantasiar ameaças e situações. 
Será que todo gênio é louco? 
Neste caso, na arte da criação, é apenas poesia.
O filme é baseado no balé O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. Eu não assisti a produção teatral, mas através de um estudo na web vi que se trata da história de Odette, linda, pura e virginal menina que foi sequestrada e aprisionada no corpo de um cisne branco pelo diabólico feiticeiro Rothbart (sem qualquer motivo explícito). Pelo feitiço, de dia ela e seu séquito seriam cisnes e à noite reassumiriam sua forma humana, sendo quebrado somente por um homem que lhe jurasse amor verdadeiro. Com o sequestro de Odete, sua mãe, de tanta tristeza, chorou copiosamente e suas lágrimas transformaram-se num lago em que os cisnes se reuniam.
Após ganhar de aniversário um arco e flechas, o Príncipe Siegfried sai para caçar na floresta e chegou ao lago dos cisnes. Ao cair da noite, vê as aves tornando-se em mulheres e logo se apaixona pela Rainha dos Cisnes, Odette, convidando-a para um baile na noite seguinte.
No baile, Rothbart aparece com sua filha Odile com a aparência de Odete, mas como se fosse um cisne negro transformado. Seduz Siegfried e ele lhe jura amor eterno, pensando ser Odette. Ao chegar ao baile, o cisne branco percebe que o único que a amou não lhe era mais fiel e, portanto, o feitiço não seria quebrado.
Voando de volta para o lago dos cisnes, Odette se depara com Siegfried, que lhe pede perdão e entende que a Rainha dos Cisnes será para sempre uma ave; desesperada e magoada, o Cisne Branco atira-se no lago e morre, porque somente a morte lhe daria a tão sonhada liberdade.
Algo extremamente belo. É muito bom perceber o quanto o homem pode ser criativo e genial. Pena que a grande maioria apenas tem acesso ao lado negro.
Certamente preferiria assistir ao balé original. Ao abstrato. Deve ser deslumbrante. Não vejo porque adaptar à realidade algo tão brilhante, que é puro em essência criativa. Real ao mesmo tempo que é fantasia. Algo que não pode ser personalizado porque é sublime enquanto imagem conceitual.   
Mas... ainda é melhor que cada um pense por si, sem tanta opinião. Parece que se alguém tem que desvendar a realidade, a essência humana, o cotidiano, fica algo meio parecido como degustar comida pré-mastigada.