Parar para pensar

“Criar é não se adequar a vida como ela é, nem tão pouco se grudar às lembranças pretéritas que não sobrenadam mais” (Waly Salomão)

                                  (Salvador Dali)

Achei tão interessante a reportagem de sábado de Zero Hora (24/07/2010) que não poderia deixar de fazer um registro.
Através do Festival de Inverno de Porto Alegre, Abrão Slavutzky, Edson de Sousa e Júlio Conte tratam do tema - "As cinco propostas para não se adequar à vida como ela é". Três tópicos estarão sendo abordados durante toda essa semana: Como conferir ao dia a dia um pouco mais de ficção, diversão e utopia, sem descaracterizar a dureza e a seriedade da vida?
O primeiro passo é não tomar como certo "tudo o que está aí".
Queríamos valorizar essa idéia de desvio, de se poder criar uma espécie de resistência a essa vida como ela é, com tanto automatismo, repetição, acomodação. E é difícil fazer esses movimentos que vão contra o instituído.
Pincelo aqui, algumas partes do texto de Carlos André Moreira e Fábio Prikladnicki.

A vida apressada nas cidades, a impessoalidade dos tempos atuais, a obsessão pelo trabalho.
O fazer para não se deixar levar pela roda-viva que embota os espíritos?

A incerteza
Em um mundo em perpétuo movimento, parece haver uma saudade brutal da época em que as utopias prometiam a chegada a um estado final de imobilidade, perfeição e mudanças. E essa saudade vira uma exigência desesperada por respostas, definições, certezas. É essa a linha de reflexão que o dramaturgo e psicanalista Júlio Conte desenvolve. Conte não fará propostas, fará "anti-propostas", propostas negativas. Ou seja, em vez de respostas, fará perguntas:
- Na minha concepção, a vida como ela é hoje está empobrecida, enclausurada, fechada em conceitos congelados, em conceitos políticos emburrecedores. A ideia seria como desmontar o nosso sistema atual, que o tempo todo pede certezas e afirmações. Na pergunta tem uma proposta. Não é a nossa ideia oferecer uma nova verdade, é questionar os preceitos que fazem a vida ser como ela está, é apresentar uma nova pergunta. Provocação: é preciso realmente buscar as respostas de forma tão desenfreada a ponto de esquecer o valor de fazer as perguntas?
- Os modelos modernos de 1968 tinham uma ideia de que alguma coisa tinha solução, que havia uma resposta a ser dada para alguma coisa com a ideologia. Mas hoje já se descobriu que até equações para um problema lógico, científico, podem ter mais de uma resposta. Ou seja, a incerteza faz parte da realidade, e resta à gente aceitar isso em vez de ficar substituindo sempre uma verdade pela outra.
Tal entendimento se espalha até mesmo para o campo de atuação de Conte e de seus colegas.
- Os pensamentos psicanalíticos se inseriram de tal forma na cultura que viraram clichês, ninguém acredita mais em Complexo de Édipo da maneira original. Tem de ter uma nova noção sobre esses pensamentos, é preciso refletir para chegar ao que não é o entendimento comum. Por isso a proposta com o "não".
*É preciso se livrar das certezas.


 Ler pelo não

    Em cada ausência, sentir o cheiro forte
do corpo que se foi,
a coisa que se espera.
Ler pelo não, além da letra,
ver em cada rima vera, a prima pedra,
onde a forma perdida
procura seus etcéteras.

Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
e descobrir a América.

(Paulo Leminski - Distraídos Venceremos)