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MÚSICA

cantei, cantei, cantei...

Anoitecer

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz-morte-mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.

(Zé Miguel Wisnik, poema de Carlos Drummond de Andrade)


O Meio

Assim era no princípio
Metáfora pura
Suspensa no ar
Assim era no princípio
Só bocas abertas
Inda balbuciantes
Querendo cantar
Por isso que sempre no início
A gente não sabe como começar
Começa porque sem começo
Sem esse pedaço não dá pra avançar
Mas fica aquele sentimento
Voltando no tempo faria outro som
Porque depois de um certo ponto
Tirando o começo até que foi bom
Por isso é melhor ter paciência
Pois todo começo começa e vai embora
O problema é saber se já foi
Ou se ainda é começo
Porque tem começo que às vezes demora
Que passa um bom tempoInda está no começo
Que passa mais tempoInda não está na hora
Tem gente que nunca saiu do começo
Mas tem esperança de sair agora
Se todo começo é assim
O melhor do começo é o seu fim
Um dia ainda há de chegar
Em que todos irão conquistar
Um meio pra não começar
Agora depois do começo
Já estou me sentindo
Bem mais à vontade
Talvez já esteja no meio
Ou começo do meio
Porque bem no meio
Seria a metade
É bom demais estar no meio
O meio é seguro pra gente cantar
Primeiro, acaba o bloqueio
E até o que era feio começa a soar
Depois todo aquele receio
Partindo do meio, podia evitar
Até para as crianças nascerem
Nascendo no meio, não iam chorar
Diria, sem muito rodeio
No princípio era o meio
E o meio era bom
Depois é que veio o verbo
Um pouco mais lerdo
Que tornou tudo bem mais difícil
Criou o natural, criou o artifício
Criou o real, criou o fictício
Criou o final, criou o início
O início que agora deu nisso
Mas tudo tomou seu lugar
Depois do começo passar
E cada qual com seu canto
Por certo ainda vai encontrar
Um meio pra nos alegrar
(Luiz Tatit)

Ser feliz

"É do presente e só do presente, que temos consciência" (Roupnel)

Se nosso coração fosse amplo o bastante para amar a vida em seus pormenores, veríamos que todos os instantes são a um tempo doadores e espoliadores e que uma novidade recente ou trágica, sempre repentina, não cessa de ilustrar a descontinuidade essencial do Tempo.

Segundo Guyau, é preciso desejar, é preciso querer, é preciso entender a mão e caminhar para criar o futuro. O futuro não é aquilo que vem em nossa direção, mas aquilo em direção ao qual nos dirigimos".

*O sentido e o alcance do futuro estão inscritos no próprio presente.

A artista plástica Susana Urribarri diz que aprendeu a ser feliz com a liberdade de pintar. “Quando se tem um papel branco pela frente, podemos usar cores horrorosas que jamais poderíamos pensar em combinar, traços livres que podem ou não dizer alguma coisa, formas cheias e definidas ou não-formas. Nada está errado, nada tem de ser nada”.
Ela acha que, assim como na pintura, a abertura é uma condição bastante essencial na busca da felicidade, já que não existe um padrão fixo para ela. É aquela história da borboleta: se você vai muito atrás da felicidade com uma rede, ela pode se espantar e não chegar perto de você. Se você ficar quietinho e aberto, pode até ser que ela pouse em seu ombro.
(reportagem revista Vida Simples, por Liane Alves)

“Somos, pelo que sabemos, a única espécie capaz de refletir sobre a própria mortalidade, as únicas criaturas deste planeta capazes de vislumbrar o fim da própria existência”.
(Mark Kingwell no livro Aprendendo Felicidade)

“Há duas catástrofes na existência, a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são”.
(George Bernard Shaw)

“Siga sempre sua bem-aventurança, aquilo que você acha que vai fazê-lo feliz. Temos de aprender a abdicar da vida que planejamos para ter a vida que está esperando por nós”
(Joseph Campbell)

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Sonho o poema de arquitetura ideal
Cuja própria nata de cimento
Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
Faíscas das britas e leite das pedras.
Acordo;
E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
Acordo;
O prédio, pedra e cal, esvoaça
Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido.
Acordo!
Os olhos chumbados pelo mingau das almas
E os ouvidos moucos,
Assim é que saio dos sucessivos sonos:
Vão-se os anéis de fumo de ópio
E ficam-me os dedos estarrecidos.
Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
Sumidos no sorvedouro.
Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
No topo fantasma da torre de vigia
Nem a simulação de se afundar no sono.
Nem dormir deveras.
Pois a questão-chave é:
Sob que máscara retornará o recalcado?
A Fábrica do PoemaWaly Salomão












É A COREOGRAFIA DOS MEUS LÁBIOS

É a coreografia dos meus lábios,

Embalada ao som do meu aparelho fonador.
Você não poderá dizer que são só palavras,

Jamais inverterá minha intenção de que o desenho largo ou oval
Da minha boca possa se constituir de uma composição.
Mas o corpo todo quer essa dança.

O problema é que não consigo compilar.
O corpo quer essa dança, pois tudo sai na mesma cadência.
Posso virar uma cambalhota ao mesmo tempo em que digo um ai.

Posso falar um poema ao passo que recrio uma canção.
Posso saltar, como um soluço...
[Da lágrima que não ouso há tempos].
Posso virar uma cambalhota?
Gosto de mover meus lábios e gosto da música

Do aparelho fonador...
Enaltece a alma e esclarece.
Mas não é nada disso, não se iluda!
Isso é só aparência,

É apenas uma coreografia [dos meus lábios]
E a música quem faz? ...É meu aparelho fonador.
Se puder mandarei eles pararem, os lábios

Pois os pés estão invejosos e as coxas também!
A bem da verdade, para quê tanta coxa, se não posso saltar?
E a atração mimética por asas, se possuo somente braços...
São compridos os braços
E gostam de estar no lugar das pernas – às vezes.
São compridos, mas não o suficiente para alcançar...
Tudo que os olhos enxergam.
Queria ser míope.

[Em vez de míope, medíocre!]
Sempre compridos os braços e grandes os olhos;

[Grandes e tímidos.]
Pena que não podem falar.
Mas quem precisa de mais fala com uma boca deste tamanho?
E não há nada de mal em eu querer dançar uma valsa.
E os pés pedem permissão para os lábios...

São eles que ditam a medida das coisas.
E o resto do corpo também se assanha: quer ser movente.
Alguém manda a boca calar?
Daqui um pouco a música acaba,Aquela, do aparelho fonador.

Daqui um pouco o resto do corpo terá espaço:
Fim do monopólio dos lábios!
Todas as partes merecem espaço.

Tudo que move é sagrado, diria o poeta...
Mas os olhos atrapalham.

Já viram muitas coisas, mas sempre querem rever:
A mesma coisa.
[É o conforto das sensações já sentidas;

Nada de riscos, essa é a ordem!
VeladaEscondida no mar das boas e novas intenções.
todas querendo se estabelecer/permanecer]
Deixe o corpo dançar!

Cala a boca!
Por favor, alguém me faça parar.
Pois não há nada de mal em eu querer dançar uma valsa.
___________________________Lu, 21 de fevereiro de 2004Este texto faz parte da coreografia “Um corpo bem de perto” – As partes que estão entre os [colchetes] não são ditas em cena, mas, foram escritas. Por isso vêm para o site.




































ACABO DE NÃO MORRER

Acabo de não morrer!

A todo instante poderia dizer isso..
Todo o dia, até o fim.
Acabo de não morrer significa “agora”...
Poder pronunciar “agora” é não estar morto.
É por em evidência a motricidade;
(fr)agilidade.
Caminha, agora, mas move-te rápido,

Antes que te alcance, a morte.
Sim, foge da morte, anda rápido, corre!
Contudo, prolongue teu instante sem fazer-te vil,

Sem enrijecer a carne, sem trancar os orifícios.
Prolongue teu instante sem deixar de ser “motor”,
Sem deixar de ter caminho,
Sem largar a mão da sorte.
Que sorte ser “agora”, que sorte todo o dia,

Até o fim.
Até que – forte – eu diga: acabo de não morrer.
____________________Lu, novembro de 2005Época em que estive doente várias vezes...

No acúmulo de espetáculos, exame de qualificação de mestrado, aulas a serem dadas e feitas, viagens entre Ijuí, Porto Alegre e Cruz Alta, toda a semana... E o corpo, como se fosse de um super homem a continuar e a brigar com os seus limites... Para estar presente, em cena, na dança, na vida.
















O SILÊNCIO É AZUL

O silêncio é azulSegredo da almaEu sou transparenteNão rimo com nadaSou só coraçãoAtenção!Tem gente na portaNão tem como entrarO vento está soltoNão rimo com nadaNão tem como entrarAzul do luarExiste lugarSegredo da almaAzul do lugar
Há vento na portaO vento é que bateParece pessoaParece lembrançaSilêncio parece
Silêncio tem corA cor é azulO vento é vermelhoA porta é marromNão tem como abrirO salto é vermelhoSapato vermelhoCombina com a portaQue bate e congelaO tempo e a esperaA cor e o lugar.
____________________Lu, setembro de 2003Este poema faz parte de uma composição chamada “Um outro verso”, coreografia feita por mim para ser dançada por Rubiane Zancan. A dança da Rubi compõe o verso final do poema...




















ROMÃ

Cada sementeCintilaTransparenteCaleidoscópio minúsculoEntre minúsculos paresTodos eles se ajeitamAo ladoUm Do outro.As SaliênciasProtuberânciasSutisArredondadasAquosasProntas para a mordidaProntas para não ser maisMais sementesTodos grãosPossibilidadesVidaOutra raizOutra sementeMenteNão calaSuportaSe enterraSucumbeEmergePara cimaPara os ladosTodas as folhasFloresCoresCheirosInteirosPela metadeNão se sabeIntui-seCaiQuebraEcoaSe espalhaOutra vez.
__________________________________Lu, 26 de novembro de 2002 - 00:30Obs.: Quando terminar, leia, também, de baixo para cima, para “reconstituir” o romã...

POESIAS

Daimon
No dia em que este mundo te fez mundo,
O sol brecou para os planetas:
júbilo.
E deste duro, e foste em tudo ao fundo,
Em nome dessa Lei que te fez nume,

Anda de frente, pois, mas pega um rumo.
É de profeta o que eu disser,
é augúrio:
O tempo nunca desfará o poder
Da viva, ansiada forma que há no ser.
(Goethe)

"A morte é a curva da estrada,
morrer é só não ser visto"
(Fernando Pessoa)

"... le tenias ojeriza a la pureza porque sabias cómo somos de impuros cómo mezclamos sueños y vigilia, cómo nos pesan la razón y el riesgo"
(Mario Benedetti)

Fosse

"Seria
Pior
Não
Mais nem menos
Indiferentemente mas tanto quanto"
(Mallarmé)

"Os homens se iludem se acreditam ser livres".
"subspecie aeternitatis", devemos contemplar nossas próprias vidas sob os olhos da eternidade.
(Nietzsche)

"Tenho os olhos abertos para o mundo e suas sombras me tocam muito.
Meus temas são o lixo da vida".
(Iberê Camargo)

Fernando Pessoa
Primeiro Fausto
Primeiro Tema

MISTÉRIO DO MUNDO

I
Quero fugir ao mistério Para onde fugirei? Ele é a vida e a morte Ó Dor, aonde me irei?
II
O mistério de tudo Aproxima-se tanto do meu ser, Chega aos olhos meus d'alma tão [de] perto, Que me dissolvo em trevas e universo... Em trevas me apavoro escuramente.
III
O perene mistério, que atravessa Como um suspiro céus e corações...
IV
O mistério ruiu sobre a minha alma E soterrou-a... Morro consciente!
V
Acorda, eis o mistério ao pé de ti! E assim pensando riu amargamente, Dentro em mim riu como se chorasse!
VI
Ah, tudo é símbolo e analogia! O vento que passa, a noite que esfria, São outra coisa que a noite e o vento — Sombras de vida e de pensamento.
Tudo o que vemos é outra coisa. A maré vasta, a maré ansiosa, É o eco de outra maré que está Onde é real o mundo que há.
Tudo o que temos é esquecimento. A noite fria, o passar do vento, São sombras de mãos, cujos gestos são A ilusão madre desta ilusão.
VII
Mundo, confranges-me por existir. Tenho-te horror porque te sinto ser E compreendo que te sinto ser Até às fezes da compreensão. Bebi a taça [...] do pensamento Até ao fim; reconhecia pois Vazia, e achei horror. Mas eu bebi-a. Raciocinei até achar verdade, Achei-a e não a entendo. Já se esvai Neste desejo de compreensão, Inalteravelmente, Neste lidar com seres e absolutos, O que em mim, por sentir, me liga à vida E pelo pensamento me faz homem. ............................................................................ ............................................................................ ..........................................E neste orgulho certo Fechado mais ainda e alheado Me vou, do limitado e relativo Mundo em que arrasto a cruz do meu pensar.
VIII
Cidades, com seus comércios...
Tudo é permanentemente estranho, mesmamente Descomunal, no pensamento fundo; Tudo é mistério, tudo é transcendente Na sua complexidade enorme: Um raciocínio visionado e exterior, Uma ordeira misteriosidade — Silêncio interior cheio de som.
IX
Já estão em mim exaustas, Deixando-me transido de terror, Todas as formas de pensar [...] O enigma do universo. Já cheguei A conceber, como requinte extremo Da exausta inteligência, que era Deus... ........................................................................ Já cheguei a aceitar como verdade O que nos dão por ela, e a admitir Uma realidade não real Mas não sonhada, [como o] Deus Cristão. ........................................................................ ...Falhados pensamentos e sistemas Que, por falharem, só mais negro fazem O poder horroroso que os transcende A todos, [sim,] a todos. Oh horror! Oh mistério! Oh existência! ........................................................................
X
O segredo da Busca é que não se acha. Eternos mundos infinitamente, Uns dentro de outros, sem cessar decorrem Inúteis; Sóis, Deuses, Deus dos Deuses Neles intercalados e perdidos Nem a nós encontramos no infinito. Tudo é sempre diverso, e sempre adiante De [Deus] e Deuses: essa, a luz incerta Da suprema verdade.
XI
Nos vastos céus estrelados Que estão além da razão, Sob a regência de fados Que ninguém sabe o que são, Ha sistemas infinitos, Sóis centros de mundos seus,
E cada sol é um Deus.
Eternamente excluídos Uns dos outros, cada um É universo.
XII
Num atordoamento e confusão Arde-me a alma, sinto nos meus olhos Um fogo estranho, de compreensão E incompreensão urdido, enorme Agonia e anseio de existência, Horror e dor, [agonia] sem fim!
XIII
Fantasmas sem lugar, que a minha mente Figura no visível, sombras minhas Do diálogo comigo.
XIV
Não, não vos disse ... A essência inatingível Da profusão das coisas, a substância, Furta-se até a si mesma. Se entendesses Neste ou naquele modo o que vos disse, Não o entendesses, que lhe falta o modo Por que se entenda.
XV
Do eterno erro na eterna viagem, O mais que [exprime] na alma que ousa, É sempre nome, sempre linguagem, O véu e capa de uma outra cousa.
Nem que conheças de frente o Deus, Nem que o Eterno te dê a mão, Vês a verdade, rompes os véus, Tens mais caminho que a solidão.
Todos os astros, inda os que brilham No céu sem fundo do mundo interno, São só caminhos que falsos trilham Eternos passos do erro eterno.
Volta a meu seio, que não conhece os deuses, porque os não vê, Volta a meus braços, melhor esquece que tudo só fingir que é.
XVI
Ondas de aspiração [...] Sem mesmo o coração e alma atingir Do vosso sentimento; ondas de pranto, Não vos posso chorar, e em mim subis, Maré imensa, numerosa e surda, Para morrer da praia no limite Que a vida impõe ao Ser; ondas saudosas De algum mar alto aonde a praia seja Um sonho inútil, ou de alguma terra Desconhecida mais que o eterno [amor] De eterno sofrimento, e aonde formas Dos olhos de alma não imaginadas Vogam essências [...] Esquecidas daquilo que chamamos Suspiros, lágrimas, desolação; [Ondas] nas quais não posso visionar Nem dentro em mim, em sonho, [barco] ou ilha, Nem esperança transitória, nem Ilusão nada da desilusão;
Oh, ondas sem brancuras nem asperezas, Mas redondas, como óleos, e silentes No vosso intérmino e total rumor — Oh, ondas das almas, decaí em lago Ou levantai-vos ásperas e brancas Com o sussurro ácido da esperança ... Erguei em tempestades a minha alma! ...................................................................... .................................................. Não haverá,
Além da morte e da imortalidade, Qualquer coisa maior? Ah, deve haver Além da vida e morte, ser, não ser, Um inominável supertranscendente, Eterno incógnito e incognoscível!
Deus? Nojo. Céu, inferno? Nojo, nojo. Pr'a que pensar, se há de parar aqui O curto vôo do entendimento? Mais além! Pensamento, mais além!
XVII
Paro à beira de mim e me debruço... Abismo... E nesse abismo o Universo. Com seu tempo e seu 'spaço, é um astro, e nesse Alguns há, outros universos, outras Formas do Ser com outros tempos, 'spaços E outras vidas diversas desta vida...
O espírito é outra estrela. . . O Deus pensável É um sol... E há mais Deuses, mais espíritos De outras essências de Realidade ...
E eu precipito-me no abismo, e fico Em mim... E nunca desço ... E fecho os olhos E sonho — e acordo para a Natureza Assim eu volto a mim e à Vida .......................................................................... Deus a si próprio não se compreende. Sua origem é mais divina que ele, E ele não tem a origem que as palavras Pensam fazer pensar... ......................................................................... O absatrato Ser [em sua] abstrata idéia Apagou-se, e eu fiquei na noite eterna. Eu e o Mistério — face a face...
XVIII
No meu abismo medonho Se despenha mudamente A catarata de sonho Do mundo eterno e presente. Formas e idéias eu bebo, E o mistério e horror do mundo Silentemente recebo No meu abismo profundo.
O Ser em si nem é o nome Do meu ser inenarrável; No meu mudo Maëlstrom O grande mundo inestável Como um suspiro se apaga E um silêncio mais que infindo Acolhe o acorrer do vago Que em mim se vai esvaindo.
Por mais que o Ser, que transcende Criatura e Criador, Se esse Ser ninguém entende Ele, a mim e ao meu horror, Menos. Vida, pensamento, Tudo o que nem se adivinha, É tudo como um momento Numa eternidade minha. .................................................................
XIX
................................................. Abre-me o sonho Para a loucura a tenebrosa porta, Que a treva é menos negra que esta luz.
O terror desvaria-me, o terror De me sentir viver e ter o mundo Sonhado a laços de compreensão Na minha alma gelada.
XX
A qualquer modo todo escuridão Eu sou supremo. Sou o Cristo negro. O que não crê, nem ama — o que só sabe O mistério tornado carne.
Há um orgulho atro que me diz Que Sou Deus inconscienciando-me Para humano; sou mais real que o mundo, Por isso odeio-lhe a existência enorme, O seu amontoar de coisas vistas. Como um santo devoto Odeio o mundo, porque o que eu sou E que não sei sentir que sou, conhece-o Por não real e não ali. Por isso odeio-o — Seja eu o destruidor! Seja eu Deus ira!
XXI
Sou a Consciência em ódio ao inconsciente, Sou um símbolo incarnado em dor e ódio, Pedaço de alma de possível Deus Arremessado para o mundo Com a saudade pávida da pátria... .....................................................................
Ó sistema mentido do universo, Estrelas nadas, sóis irreais, Oh, com que ódio carnal e estonteante Meu ser de desterrado vos odeia! Eu sou o inferno. Sou o Cristo negro, Pregado na cruz ígnea de mim mesmo. Sou o saber que ignora, Sou a insônia da dor e do pensar ...................................................................
XXII
Ah, não poder tirar de mim os olhos, Os olhos da minha alma [...] (Disso a que alma eu chamo) Só sei de duas coisas, nelas absorto Profundamente: eu e o universo, O universo e o mistério e eu sentindo O universo e o mistério, apagados Humanidade, vida, amor, riqueza. Oh vulgar, oh feliz! Quem sonha mais, Eu ou tu? Tu que vives inconsciente, Ignorando este horror que é existir, Ser, perante o [profundo] pensamento Que o não resolve em compreensão, tu Ou eu, que analisando e discorrendo E penetrando [...] nas essências, Cada vez sinto mais desordenado Meu pensamento louco e sucumbido. Cada vez sinto mais como se eu, Sonhando menos, consciência alerta Fosse apenas sonhando mais profundo .......................................................................
XXIII
.................................................. Ah, que diversidade, E tudo sendo. O mistério do mundo, O íntimo, horroroso, desolado, Verdadeiro mistério da existência, Consiste em haver esse mistério. .......................................................................
XXIV
Essa simplicidade d'alma Possuída não só dos inocentes Mas até dos viciosos, criminosos... ....................................................................... .......................................... essa simplicidade Perdi-a, e só me resta um vácuo imenso Que o pensamento friamente ocupa.
XXV
Tremo de medo: Eis o segredo aberto. Além de ti Nada há, decerto, Nem pode haver Além de ti, Que [só] tens essência Nem tens existência E te chamas [...] Ser.
XXVI
Mais que a existência É um mistério o existir, o ser, o haver Um ser, uma existência, um existir — Um qualquer, que não este, por ser este — Este é o problema que perturba mais. O que é existir — não nós ou o mundo Mas existir em si?
XXVII
Não é a dor de já não poder crer Que m'oprime, nem a de não saber, Mas apenas [e mais] completamente o horror De ter visto o mistério frente a frente, De tê-lo visto e compreendido em toda A sua infinidade de mistério. É isto que me alheia, que me [traz] Sempre mostrado em mim como um terror E maior terror há-o?
XXVIII
Para mim ser é admirar-me de estar sendo.
XXIX
Há entre mim e o real um véu A própria concepção impenetrável. Não me concebo amando, combatendo, Vivendo com os outros. Há, em mim, Uma impossibilidade de existir De que [abdiquei], vivendo.
XXX
Tornei minha alma exterior a mim.
XXXI
Tarde! Não poder Adivinhar o teu segredo E o teu mistério ilúcido. Ignorar Esta emoção, Vaga desesperança quase amarga, Da sensação que dás. .....................................................................
XXXII
..................................................................... Qu'importa? Tudo é o mesmo. A mim quer seja Manhã inda d'orvalho arrepiada, Dia, ligeiro ao sol, pesado em nuvens, A tarde, A noite misteriosa, Tudo, se nele penso, só me amarga E me angustia. .....................................................................
XXXIII
Acordado, abro os olhos. Vivo! Sou vivo ainda! Torno a ver-te, Pálida luz, silente luz da tarde, Que ora me [enches] de um cálido horror! Onde estou? Onde estive? Ferve em mim, Numa quietação indefinida, Um eco de tumultos e de sombras E uma coorte como de fantasmas [Gritantes]. E luzes, cantos, gritos, Desejos, lágrimas, chamas e corpos, Num referver [tumultuoso] e misturado, Numa esvaída confusão noturna — Como tendo piedade de deixar-me — Sinto passar em mim, como visões. Nem com esforço recordar-me posso Se são fantasmas ou vagas lembranças; Não me lembro de vida alguma minha E o necessário esforço, desejado P'ra recordar-me, não o posso ter. ..................................................................... Acabar. Nem desejo nem espero Nem temo, n'apatia do meu ser. Para que pois viver? Quero a morte, E ao sentir os seus passos Alegremente e apagadamente Me voltarei lento para o seu lado, Deixando enfim cair sobre o meu braço Minha cabeça, olhos cerrados, quentes Do choro vago já meio esquecido. Mas onde estou? Que casa é esta? Quarto Rude, simples — não sei, não tenho força Para observar — quarto cheio da luz Escura e demorada, que na tarde Outrora eu... Mas que importa? A luz é tudo. Eu conheço-a.
XXXIV
Basta ser breve e transitória a vida Para ser sonho. A mim, como a quem sonha, E escuramente pesa a certa mágoa De ter que despertar — a mim, a morte, Mais como o horror de me tirar o sonho E dar-me a realidade, me apavora, Que como morte. Quantas vezes [quantas], Em sonhos vazios conscientemente Imerso, me não pesa o ter que ver A realidade e o dia! Sim, este mundo com seu céu e terra, Com seus mares e rios e montanhas, Com suas árvores, aves, bichos, homens, Com o que o homem, com translata arte, De qualquer construção divina, fez — Casas, cidades, coisas, modas [...] —, Este mundo, que [nunca] reconheço, Por sonho amo, e por ser sonho o [quero] Ou [tenho] que deixá-lo e ver verdade, — Me toma a gorja, com horror de negro, O pensamento da hora inevitável, E a verdade da morte me confrange. Pudesse eu, sim, pudesse, eternamente Alheio ao verdadeiro ser do mundo, Viver sempre este sonho que é a vida! Expulso embora da divina essência, Ficção fingindo, vã mentira eterna, Alma-sonho, que eu nunca despertasse! Suave me é o sonho, e a vida [...] é sonho. Temo a verdade e a verdadeira vida. Quantas vezes, pesada a vida, busco No seio maternal da noite e do erro, O alívio de sonhar, dormindo; e o sonho Uma perfeita vida me parece [...] ..., e porventura Porque depressa passa. E assim é a vida.
XXXV
E o sentimento de que a vida passa E o senti-la passar Toma em mim tal intensidade, De desolado e confrangido horror, Que a esse próprio horror, horror eu tenho Por ele e por senti-lo, E por senti-lo como tal.
XXXVI
Aborreço-me da possibilidade De vida eterna; o tédio De viver sempre deve ser imenso. Talvez o infinito seja isso... Já o tédio de o pensar é horroroso.
"Depois que me cansei de procurar,
Aprendi os inventos.
Desde que um vento me quis contrariar,
Navego com todos os ventos"

Nietzsche