...

Antes que Seja Tarde

Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

ZEITGEIST

"O finito não tem ser genuíno".
                                (Hegel)

Provavelmente muitos de nós acompanhamos esses documentários.
Eu já assisti a vários, mas somente agora li a introdução de seu autor. Penso que vale a pena essa página antes de adentrar nas profundezas de seus longas insólitos.
Zeitgeist (termo alemão). Na atualidade sinônimo de polêmicos documentários.
Ver Hegel, Filosofia da História. "Genius seculi".


"NÃO TOMAMOS AS DECISÕES, NÓS CHEGAMOS A ELAS"














Toda mudança histórica é vista, por Hegel, como Geist. Significa o meio caminho entre espírito e mente - suas conotações são mais mentais do que nosso termo "espírito", e mais espirituais do que nosso termo "mente".
Geist é a existência mesma, a essência última do ser; e o processo histórico inteiro que constitui a realidade é o desenvolvimento do "Geist" rumo à autoconsciência e ao autoconhecimento.
Quando este estado for alcançado, tudo o que existe será harmoniosamente um só consigo mesmo.
Hegel chamava essa unidade autoconsciente de tudo de "O Absoluto". Por ver a essência do que existe como algo não-material, sua filosofia ficou conhecida como "idealismo absoluto".
O próprio filósofo combinou esse tema com a crença no cristianismo, mas alguns de seus seguidores abraçaram-na como um tipo de panteísmo, e outros, como uma espécie de religião sem Deus.  
O mais radical deles todos - Marx, assumiu a maioria das ideias de Hegel, mas afirmou que o sujeito de todo o processo histórico não era nada mental ou espiritual, mas material. (Bryan Magee)

"Tudo o que existe é resultado de um processo". Hegel

Très joli...



Avec le temps
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
L'autre qu'on devinait au détour d'un regard
Entre les mots, entre les lignes et sous le fard
D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
Avec le temps tout s'évanouit

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Même les plus chouettes souv'nirs ça t'as une de ces gueules
A la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort
Le samedi soir quand la tendresse s'en va toute seule

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien
L'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
Pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
Devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens
Avec le temps, va, tout va bien

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie les passions et l'on oublie les voix
Qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
Ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
Et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
Et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
Et l'on se sent floué par les années perdues
Alors vraiment... avec le temps... on n'aime plus


Com o Passar do Tempo
Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora
Esquecemos o rosto e esquecemos a voz
O coração, quando deixa de bater, não vale a pena
Procurar mais longe, é preciso deixar andar, e está muito bem.

Com o passar do tempo,
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Aquela que adorávamos, que procurávamos à chuva,
Aquela que para nós era uma deusa, na volta de um olhar,
Entre as palavras, nas entrelinhas e sob a sombra
De um juramento maquiado que parte para ir dormir
Com o tempo, tudo desaparece.

Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Mesmo as recordações mais ternas tornam-se para ti momentos de vitória
Na galeria que eu remexo nos raios da morte
Sábado à noite, quando a ternura parte sozinha.

Com o passar do tempo,
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Aquela em que acreditávamos, por uma constipação, por um nada
Aquela a quem dávamos vento e jóias,
Por quem teríamos vendido a alma por cêntimos
Frente a quem nos arrastávamos, como se arrastam os cães
Conforme o tempo passa, tudo fica bem

Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Esquecemos as paixões e esquecemos as vozes
Que vos sussurravam palavras de gente pobre,
Não venhas tarde, e sobretudo, não apanhes frio

Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora
E sentimo-nos esmagados,qual cavalo exausto,
E sentimo-nos gelados numa cama de acaso
E sentimo-nos sós, talvez, mas, mas confortáveis
E sentimo-nos enganados pelos anos perdidos
Então, realmente ... com o tempo ... deixamos de amar.

Misturinha de textos

Isabel Allende – De amor e de sombra
Sartre – A Náusea
Carlos Castanheda – Porta para o infinito
Erico Verissimo – A vida de Joana D’Arc
Aluísio de Azevedo – O mulato
Zola – A besta humana
Ignácio de Loyola Brandão – Não verás país nenhum
Erico Verissimo - Olhai os lírios do campo
José de Alencar – Lucíola

O primeiro dia de sol evaporou a umidade acumulada na terra pelos meses de inverno e aqueceu os frágeis ossos dos anciãos, que puderam passear pelas veredas ortopédicas do jardim. Apenas o melancólico permaneceu na cama, porque era inútil levá-lo para o ar puro se seus olhos só viam os próprios pesadelos e os ouvidos estavam surdos ao alvoroço dos pássaros.

O melhor seria escrever os acontecimentos dia a dia. Fazer um diário para os considerar com clareza. Não deixar escapar as diferenças de pormenor, de fatos miúdos, mesmo quando parecem insignificantes, e sobretudo ordená-los.

Não importa o que se revela e o que se guarda para si. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal. Se temos o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de nossas vidas. Mas, se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais magnífico nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença.

Olhem só como ela caminha resoluta, como tem os passos largos... Seus pés descalços parecem duas pombas brancas que vão pulando por cima das pedras no caminho.

Era um dia abafadiço e aborrecido.

Estava muito sossegado. Refez o nó da gravata ao espelho, pôs o chapéu e depois saiu.

E, com efeito, foi o homem quem inventou Deus. E o que é espantoso não é que Deus exista realmente, mas que essa ideia da necessidade de Deus tenha vindo ao espírito de um animal feroz e mau como o homem, tão santa, comovente e sábia é ela, tanta honra faz ao homem. Quanto a mim renunciei desde muito tempo a perguntar a mim mesmo se foi Deus quem criou o homem, ou o homem quem criou Deus. Qual é com efeito nosso desígnio? Meu desígnio é explicar-te o mais rapidamente possível a essência de meu ser, minha fé e minhas esperanças. Assim, declaro admitir Deus, pura e simplesmente. É preciso notar, no entanto, que, se Deus existe, se criou verdadeiramente a Terra, fê-la, como se sabe, segundo a geometria de Euclides, e não deu ao espírito humano senão a noção das três dimensões do espaço. Entretanto encontram-se, ainda geômetras e filósofos, mesmo eminentes, para duvidar de que todo o universo e até mesmo todos os mundos tenham sido criados somente de acordo com os princípios de Euclides. De que serve querer resolver o que não é deste mundo? E aconselho-te a jamais quebrar a cabeça a respeito.

Um olhar surpreendente. Esquivo e ao mesmo tempo atravessador. O que me impressionou foi a cor da pele. Dava até mal-estar. Vermelha. De pessoa branca que ficou muito exposta ao sol. Nem um só fio de cabelo. A pele da cabeça transformada em placas ressequidas, como solo de caatinga.

Não largou o velho cachimbo que tinha na mão, aceso, nem mudou o tom de voz, de ordinário arrastado e monótono, sem qualquer inflexão dramática. Mesmo quando não tinha o cachimbo entre os dentes, articulava com pouca clareza as palavras, pois mal movia os lábios.

Acordou no meio da noite. Passando da escuridão dum sono sem sonhos para a escuridão do quarto – nos primeiros segundos ele foi apenas uma criatura sem memória. Era ainda o atordoamento do sono que lhe enevoava as ideias, que lhe dava aquela sensação aflitiva e confusa que devia ser parecida com a da loucura. Durante alguns instantes ele só teve consciência daquela angústia, daquela ânsia, daquela pressão no peito, dum formigamento no corpo e do desejo de luz e de ar. Era uma impressão de fim do mundo.

A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias.

Nosso ser total consiste em dois segmentos perceptíveis.

ESSES HOMENS DE LETRAS!!!
A arte das palavras sempre encantam,
e acompanham.  








Schopenhauer




A vontade é o elemento fundamental a fim de trazer o sentido das coisas e do mundo. É essa união entre o corpo e o sentimento, segundo o filósofo, que proporciona a essência metafísica elementar: a vontade da vida.
por Vilmar Debona*

Podemos dizer que o filósofo Arthur Schopenhauer, nascido em Dantzig (em 1788) e falecido em Frankfurt (em 1860), marcou a História da Filosofia no Ocidente, principalmente por ter valorizado um elemento novo nas discussões filosóficas: a noção de corpo. Nos tempos em que Schopenhauer viveu, as filosofias de Hegel e de Schelling predominavam e se apoiavam somente no aspecto racional do homem . Para Schopenhauer, em vez de a razão definir o homem e "decifrar o enigma do mundo", são o corpo e o sentimento, o que ele chama de vontade, que permitem alcançar e dizer o sentido das coisas. A vontade é o que há de mais essencial no mundo; ela se manifesta em toda a natureza e nos corpos animais, independentemente de serem eles possuidores ou não da faculdade de razão. Todos os corpos do mundo fenomênico são considerados, nessa filosofia, como concretização de um mesmo querer que nunca cessa. A objetivação da vontade não escolhe se vai se manifestar no homem mais inteligente ou numa pedra. Desse modo, em se tratando de espécies, a diferença entre os seres humanos e os demais animais é quase insignificante, visto que tanto o homem quanto o animal têm por base uma mesma essência metafísica, a vontade de vida.

Além disso, o que faz com que a atenção dada por Schopenhauer ao corpo seja vista como determinante é o papel indispensável que este elemento tem na teoria do conhecimento do pensador. Ele acredita que a base da formação do nosso conhecimento racional não é racional, já que começa com as sensações corporais. O que o filósofo chama de representações empíricas só existem porque, anteriormente, o corpo informou dados dos objetos e sensações abafadas ao entendimento que organiza as representações. Nesse contexto, é importante levar em conta que o entendimento também faz parte do corpo do sujeito, já que é entendido como um órgão físico ou o próprio cérebro. Assim, em vez da racionalidade, como se fosse uma rainha do mundo, definir sozinha o conhecimento, ela se torna dependente dos dados corporais; só a partir desses dados a razão pode fazer algo.

Resumidamente, segundo Schopenhauer, ocorre o seguinte: por meio das afecções do corpo, o indivíduo enraíza-se no mundo e passa a intuí-lo pelo entendimento, gerando, assim, o conhecimento. Com efeito, se o indivíduo é sujeito do conhecimento, ele é também corpo . Assim, inserida no campo da discussão da cognoscibilidade humana, a noção de corpo concebida pelo pensador apresenta-se como determinante. Não mais se corre o risco da admissão de uma "cabeça de anjo alada" designando a mente do homem totalmente alheia a seu corpo, algo possível quando se considera apenas o domínio da abstração sem uma base corpórea.

Nesse sentido, se a fim de sustentar a sua teoria do conhecimento, Descartes tomou o cogito como determinante, estabelecendo a dualidade corpo/alma e o primado da res pensante sobre a res extensa; Schopenhauer, em vez de delimitar corpo e alma, une corpo e intelecto. Tanto o corpo quanto o intelecto são expressões de um mesmo em-si, que, acima de tudo, expressam algo que o pensamento e os conceitos não alcançam, a própria vontade.

O ponto de partida do conhecimento
A questão pode ser mais bem detalhada quando consideramos que o corpo é tomado pelo filósofo sob duas perspectivas. Uma que o considera como objeto imediato e outra que o vê como objeto mediato. Nesse sentido, "o entendimento nunca seria usado, caso não houvesse algo a mais, de onde ele partisse. E este algo consiste tão-somente nas sensações dos sentidos, a consciência imediata das mudanças do corpo, em virtude da qual este é objeto imediato."

Além disso, Schopenhauer salienta que o corpo é a representação que constitui para o sujeito o ponto de partida para o conhecimento. O corpo é, pois, objeto imediato na medida em que é um mero conjunto de sensações dos sentidos que advêm da ação dos outros corpos sobre si. Nesse primeiro aspecto, o corpo designa propriamente a vontade porque cada ato de vontade corresponde a um movimento corporal; e, então, ele passa a ser - além de condição de possibilidade do conhecer - a chave para se descobrir ou se decifrar o "enigma do mundo". Contudo, esse mesmo corpo pode fornecer dados dele mesmo, na medida, por exemplo, em que os olhos veem suas partes e as mãos o podem tocar. Assim é que o corpo passa a ser, tal como os outros, objeto mediato, portanto, conhecido como representação na intuição do entendimento. Para que esse conhecimento ocorra é necessária, através do uso da lei da causalidade, a ação de uma de suas partes sobre as outras.

O autor faz uma ressalva quando toma o corpo como objeto imediato. O corpo não se dá propriamente como objeto por um motivo claro: é que Schopenhauer não o considera de um ponto de vista unilateral, ou seja, tão somente do ponto de vista do mundo como representação, o que justificava designá-lo como objeto, mas, além disso, passa a considerá-lo também a partir do mundo como vontade. De fato, principalmente a partir do Livro II de O Mundo como Vontade e como Representação, ações do corpo e atos da vontade passam a se identificar e, em razão disso, o corpo é também visto como Objeto da Vontade (Objektität des Willens). Assim é que o objeto imediato passa a ser visto por si mesmo e, mais ainda, esse outro modo de conhecimento passa a se distinguir do que é comum à representação. Com isso, a certa altura já não se tem mais tão-somente "sensações dos sentidos", ou seja, um mero meio para algo outro, mas a realidade externa. Esse mesmo meio passa a se definir como objeto e a sua figura corporal começa a ser desenhada, estando ela dotada de especificidades.

Edifício das construções racionais
Assim, o corpo, além de revelar a Vontade e ser objeto imediato, torna-se mais um objeto passível de conhecimento. É então que seus próprios membros podem se conhecer; uma mão vista ou um olho tocado e, ambos, situados espacialmente, tornam-se objetos mediatos, muito embora sejam eles também, na medida em que a mão ajuda na construção de outros objetos e o olho vê, objetos imediatos. Vê-se, pois, o motivo pelo qual, caso não houvesse a atuação do entendimento - um membro corporal determinante para a construção do conhecimento - não haveria também um mundo externo. Uma sensação por si mesma seria uma "coisa pobre", mera afecção dos sentidos. Enquanto tal, essas sensações não poderiam conter nada de objetivo, portanto, nada que se assemelhasse a uma intuição.

Desse modo, a realidade exterior a cada sujeito do conhecimento é um produto do entendimento, esse artesão que se serve das formas do princípio de razão e dos dados possibilitados pelo corpo e, com isso, oferece as representações intuitivas que se entrelaçam, formando a exterioridade. Por isso, o mundo efetivo não é um dependente da razão. Ao contrário, em vez de a razão oferecer algo, é o entendimento que, com as suas intuições empíricas possibilitadas pelo corpo, apresentase como a base do edifício das construções racionais e do conhecimento humano.

Ora, se a tarefa por excelência da filosofia é acercar-se de conceitos e com eles dar sentido ao mundo, Schopenhauer acolhe e destaca o que em essência é o avesso da abstração conceitual. Com isso, o perigo iminente da dispersão abstracionista diminui, já que os conceitos têm uma referência in concreto na realidade exterior; o pensamento provém do não pensado e, portanto, não toma este último como algo que não mereça atenção. Eis, pois, um elogio significativo ao corpo no interior da filosofia e - por que não - uma filosofia fincada no corpo.