Drummond

    A porta da verdade estava aberta,
    Mas só deixava passar
    Meia pessoa de cada vez.
    Assim não era possível atingir toda a verdade,
    Porque a meia pessoa que entrava
    Só trazia o perfil de meia verdade,
    E a sua segunda metade
    Voltava igualmente com meios perfis
    E os meios perfis não coincidiam verdade...
    Arrebentaram a porta.
    Derrubaram a porta,
    Chegaram ao lugar luminoso
    Onde a verdade esplendia seus fogos.
    Era dividida em metades
    Diferentes uma da outra.
    Chegou-se a discutir qual
    a metade mais bela.
    Nenhuma das duas era totalmente bela
    E carecia optar.
    Cada um optou conforme
    Seu capricho,
    sua ilusão, 
    sua miopia.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Noitinha de março


Minha hóspede de uma semana foi embora.
Jamais imaginei que sentiria tamanha nostalgia.
Até comentei em casa o episódio,
Muitas vezes isso não ocorre em relação a uma pessoa...
Imagina uma visita que passa uma semana contigo!
Sempre ali, todo tempo e em toda ocasião.
E ainda trata-se daqueles que não têm atitude,
fica tudo por você!
A resposta é que pessoas ocupam demasiado espaço.
Já a Esmeralda esteve sempre na dela e com o mesmo humor, diariamente.
Minha única preocupação foi que ela não subisse no muro ou janelas. 
Amadinha, obrigada por tão querida presença.

Mudando de assunto,
Estou a mil com o atelier de escultura.
Primeiro dia!
Hoje dei início a uma grande peça, um busto feminino com aproximadamente trinta quilos de terracota.
Deu trabalho o primeiro esboço. 
Falta voltar a prática novamente.
Talvez consiga terminar em uma semana.
Agora é só trabalho e uma noite na ansiedade de lá estar amanhã novamente.
Guarde-se a pintura!

 

Há outros dias que ainda não chegaram,
que estão fazendo-se
como o vinho ou as goivas do escultor
Existem artesãos da alma
e artesãos do gesto
que nem dormem, que pensam, pesam e preparam
o amanhã.
Dias árduos ou preciosos
que acabam por premiar-nos
com a alegria de poder criar
(algo, qualquer coisa, uma frase, um risco, um molde) 
ou a decepção por apenas ver a fruta apodrecer 
E assim deixar que mais um dia acabe
No mesmo nada perene.
Apenas nós podemos atuar nesse palco louco entre Dioniso e Apolo.

Uma afetuosa lembrança de Xico Stockinger


Pra acalmar a imensa saudade

Hoje ao arrumar o baú encontrei essas imagens do fotógrafo canadense Lawrence Godby de agosto de 2004 quando o levei pra conhecer Xico e seu atelier.
Lawrence ficou tão encantado que desejou voltar alguns anos após pra elaborar um ensaio mais profissional e até um catálogo sobre o seu processo de trabalho.
Infelizmente, não houve tempo. Mas já temos o principal sobre este artista em forma de uma linda lembrança que certamente irá permanecer em forma da mais pura energia que alguém já refletiu.

















































































No dia da mulher...




Filme - O discurso do rei


Feriado também lembra cinema. Filas. Salas lotadas. Multidões. Celular que não para. Ruídos de pipocas e balinhas. Mas é uma boa atração pra quem deseja quebrar a rotina. 
Bem bonitinho o filme acima. Pelo menos foi possível assistir toda a história sem olhar para o relógio. Teve partes engraçadas e outras nem tanto. Mas um bom entretenimento que vale o tempo previsto. 
George (Colin Firth) é gago desde a infância. Este é um sério problema para um integrante da realeza britânica, que frequentemente precisa fazer discursos. George procurou diversos médicos, mas nenhum deles trouxe resultados eficazes. Quando sua esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), o leva até Lionel Logue (Geoffrey Rush), um terapeuta de método pouco convencional, George está desesperançoso. Lionel se coloca de igual para igual com George e atua também como seu psicólogo. Seus exercícios e métodos fazem com que George adquira autoconfiança para cumprir o maior de seus desafios: assumir a coroa, após a abdicação de seu irmão David (Guy Pearce).
O que marcou de forma mais intensa na observação dos personagens foi o valor da diferença. Não importa quem você é ou o tamanho de seu sucesso e glória. O mérito está em ser alguma coisa, mesmo que pequena, mas que seja especial. Não ser nada é ser como uma grande parede em branco. Pode-se ainda preenchê-la, esta é a vantagem, e estar aberto a todas possibilidades. Ou então, já expressar as tintas que dão o tom de suas escolhas (de quem você é). No caso, os personagens principais descobriram que cada um tinha uma qualidade que o segundo desejava. Foi assim que ambos passaram a participar ativamente da vida do outro e acabaram como grandes amigos. 
Na existência fora da tela também é assim, sempre há uma troca. Buscamos no diverso aquilo admiramos e que, muitas vezes, nos é deficiente. Eis a beleza da simbiose.


      

Expresso Thay e bons fluídos

Picante e suave em plena sintonia

Ontem foi a vez de conhecer o Expresso Thay. Apenas a aproximadamente dez meses faz par ao restaurante Koo Pee Pee, na rua Schiller, em Porto Alegre. 
Adorei o atendimento. Desde o instante que telefonei (um dia antes) pra reservar um bom local, fui muito bem atendida. O restaurante é mais sóbrio que o tailandês ao lado, ponto positivo dentro do meu ponto de vista. Amplas janelas, luz ponderada, velas, detalhes nas paredes, plantas, muita madeira, cozinha aberta, música excelente e relaxante, pratos bem servidos. Na verdade, não há porque pedir duas variedades principais, apenas se tiver muita disposição. Uma saladinha de entrada e um prato quente são perfeitamente suficientes para dois. Como os demais especialistas nesta cozinha, todas as sugestões estão acompanhadas de uma, duas ou três pimentas. Meu prato tinha a referência de duas, porém tive que pedir um excedente, tal qual é a minha paixão pela especiaria.  Na comparação preço com os demais thays fica bem na média. O grande destaque ficou para os "mojitos" ou (morritos) - bem melhores do que aqueles degustados em Cuba. Isso realmente é incrível.
Interessante é quando comparamos com um restaurante francês ou os demais cheios de variedades. Aqui os pratos são simples e sóbrios, porém o sabor... Sentimos todos os condimentos especificados no menu. Uma delícia que segue o ditado - simples, mas não simplório.


    








Pad Prik Neua
Filé com alho, pimenta, folhas de limão, coentro, manjericão doce e arroz jasmin.



Hao Pad Nam Prik Goong Gai
Arroz frito com pasta de pimenta, vagem fina, camarão e frango.


Em casa, hora de desfrutar uma companhia muito especial. Esmeralda é uma linda gatinha que está passando uma temporada comigo. Optamos por aproveitar a calmaria do feriado de carnaval na cidade grande. Temos muito em comum, porém ela é muito mais introspectiva e cativante. Sempre na dela, não gosta de ruídos e carinho em excesso. Suave, delicada e meiga. Apenas busca o que é necessário e passa uma sabedoria digna de ser apreciada e seguida como exemplo. Adoro gatinhos (mas não teria um em definitivo).  Ter qualquer animal exige muito compromisso. Presença e atenção constante. Uma responsabilidade que não deveria ser assumida por aqueles que pensam apenas no prazer próprio e colocam os bichinhos na esfera de um brinquedo consolador.




Brincadeirinhas...












Este casulo que apareceu em uma madeira está sob observação. Que tipo de borboleta virá? Todos os dias dou uma espiadinha. Como ele é lindo!  





Nesse final de semana, com toda essa leveza tomando conta da cidade, uma bela canção se sobressai...


Porto Alegre me faz
tão sentimental
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz!