Lavores



Escolhi um destino que estivesse a minha altura
Rumei ao sul
Depois ao centro
Conheci os nortes
Vi poeira, simplicidade e afago
Fogueira, fagulhas e fumaça
Depois prédios, burocracia e nevoeiros

Lá fora, arbustos cresciam viçosos
Gafanhotos tocavam
Sapos eram os clássicos na lagoa
E os vagalumes - o maior show noturno

E todos profetizavam...

Vi ventos fortes
Tempestades
Raios
Trovões
Relâmpagos

Tive medo
Conforto

E todos profetizavam...

Vi céu azul
Grama verde
Árvores frutíferas
Terra vermelha
Cerros de pedras
E uma explosão de estrelas

E todos ...

Vi simplicidade
Vi uma menina crescer
E depois não se reconhecer

Vi gente
de todos os gostos
tipos e
profissões

rico
pobre
moribundo

Vi a cerca sendo feita
A formiga devorando a plantação
O milho crescendo
e brinquei em seus cabelos

Vi o gira-sol
e outras flores

Pitangueira
Pessegueiro
Parreira
Limoeiro
Laranjeira
Amexeira
Abacateiro
Macieira
Pereira

Tudo eu vi lá

Funcho
Alecrim
Alfazema
Erva-doce
Erva-cidreira
Cebolinha
Salsinha
Guaco

Alho
Cebola
Feijão
Arroz
Milho
Soja
Mandioca
Melão
Melancia
Abobrinha
Brócolis
Couve-flor
Tomate
Rúcula
Alface
Couve
Radite

Tudo eu vi lá

Ovos
Leite 
Mel...

Vi vaca
cavalo
porco
ovelha
galinha
galo
garnisé
seriema
gato
cachorro
camundongo
preá
pulga
lambari
cascudo
piranha
carpa
traíra
mosca
mosquito
tartaruga
borboleta
abelha
carrapato
mutuca
pulga
cobra
escorpião
lagarto
lebre
gambá
paca
e tamanduá

Tudo isso eu já vi lá

E sempre senti que pereceria...
Tudo fez e faz parte do fim inexorável
Então
Peguei meu destino 
amarrei-o ao pescoço
e corri...
Pois tudo que era pra ver lá, 

Eu já vi

E agora que cheguei ao futuro
Há uma possibilidade experiencial
E aqui ficarei
Tão reta como uma pincelada na tela virgem
Como tudo o que escolhi
e que posso ter a sorte de citar
Não penso em imortalidade
E nem mesmo na solidão -
na média, ela vem quando estamos acompanhados.

Doei parte de minha vida a esta linha, a esta agulha veloz, forte e autêntica (como Arseni)
porém eu sei - "Eu já vi" - que a pétala é tão frágil que ao menor contato pode se romper. 
Quero estar longe nesse momento - daqui pra frente só vou avaliar o que é bom pra nós.
Digo isso, em comunhão com esse novelo de tantas linhas; mesmo que vez ou outra, tecituras diversas venham retirar a pluma de nosso tão caro edredon.

Artinha...





E assim começa a história da moça mulher.
Minhas mãos estão grossas. O polegar direito exibe um inchaço causado pelo esteco. As esculturas também estão lá.
Agora, dormem.
Aguardam o tempo...


Logo, estarão secas.


Queimam. E voltam. Mais fortes.


Depois, coloco a cor.


Olho os detalhes.


E mais uma vez, vem o tempo da secagem.


Pronto.


São dois olhos a percorrer os lugares - os meus - ou são olhos outros?


Já não sei a diferença.


Aonde colocá-la?


Essa casa já parece um queijo suiço!


A parede está tranquila.


Estranhamente ela não parece lamentar a solidão.


Mas aqueles olhos famintos logo encontraram um espaço possível.


A parede não se alimenta mais de quadros - quer mais.


Ou não.


Mas que seja grande.


Distinto.


Que valha a presença...


Será um fim?


Ou um início?


Porquê dessa insatisfação com uma arte que não se sabe insatisfeita?

Nostalghia





Andrei Tarkovsky.
Itália/URSS - 1983.

Não é um filme fácil. Exige atenção ao observar a quantidade de detalhes. Há que escutar as palavras enigmáticas dos personagens como se fossem setas de um caminho.
Como os demais filmes de Tarkovski, este exige contemplação, calma, ausência de pensamentos inoportunos.
Meu primeiro contato com este escritor-diretor foi na Biblioteca de Artes quando conheci seu livro "Esculpir o tempo" - que já diz tudo sobre seus longas. Que alegria ler essa aproximação: ESCULPIR O TEMPO. Foi este livro o primeiro botão a surgir no meu jardim - ou o primeiro torão que tropecei à esquerda da estrada.
Esculpir o tempo. A matéria. A energia. O ser. Tudo. Pensar sobre essas relações não é fugir da vida - devanear. Ao contrário. Como é bom perceber o tempo...
Estar atento a este instante. Fragmentos. Segundos...
Esculpir o tempo é fazer o que acredita ser o melhor, não importa a matéria prima.
     
Nostalghia e Tempo di Viaggio foram os dois últimos filmes realizados por Tarkovsky (ou Tarkovski) antes de sua fuga da União Soviética. Sua obra foi proibida e morreu exilado - longe da terra que tanto amava. Apenas pelo título já dá pra perceber o quando arte e vida se confundem perante à exposição pública.

O mais interessante no trabalho de Tarkovsky é o olhar atento ao ser humano, ao embrião desnudo - o dentro, a essência das construções que formam um pensar. Ele nos leva a contemplar a natureza no pormenor, a explorar o divino que cerca a vida como um todo.

No filme em questão, temos como personagem principal Andrei Gorchakov, um poeta russo que viaja à Itália para escrever uma biografia de um músico russo que esteve na região durante o século XVII.
Acompanha-o Eugenia, sua tradutora.

No início, vemos apenas a bela Eugenia e Andrei que atravessam a Itália até chegar a um pequeno povoado logo ao Sul. O alvo é visitar a Madre Santa e o vilarejo onde esteve Sosnovsky (o músico). Uma bruma toma conta de toda a paisagem. Ao pararem o carro, Eugenia corre até o Mosteiro. O padre logo lhe pergunta o motivo de sua presença. Para ele, as mulheres vão até aquele lugar pra orar e pedir por filhos. Mas não. Eugenia diz estar ali apenas por curiosidade. Então o pastor responde que ela está sendo egoísta, que todos querem algo e ela quer ser feliz. Mas há coisas mais importantes, na visão do pároco, do que ser feliz - é ter filhos, criá-los com paciência e sacrifício.

Eugenia vai embora. No caminho, pergunta ao companheiro porque ele não quis entrar. Não é do meu interesse, diz ele. 
Já na pousada, Eugenia lê poesias de Arseni Tarkovski - uma tradução (não no seu original Russo). Para Andrei, a poesia é intraduzível - assim como toda a arte.

Nesse instante do filme, Eugenia apenas diz que está lendo Arseni, mas não especifica o tema. Na minha opinião, após ler algumas traduções, trata-se desta:

[... ]
"Estou em paz e triste; há um lampejo em meus suspiros,
Meus suspiros são todos teus,
Teus, e de mais ninguém... 
Minha melancolia
Está insensível a angústias e apreensões,
E meu coração arde e ama mais uma vez,
Pois nada pode fazer além de amar.
Todo instante que passávamos juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
No mundo inteiro, nós os dois sozinhos.
Eras mais audaciosa, mais leve que a asa de um pássaro,
Estonteante como uma vertigem, corrias escada abaixo
Dois degraus por vez, e me conduzias
Por entre lilases úmidos, até teu domínio
No outro lado, para além do espelho.
Enquanto isso o destino seguia nossos passos
Como um louco de navalha na mão".

Dois motivos me levaram a essa possibilidade. Um, Eugenia estava apaixonada pelo taciturno Andrei. Dois, após sair da sala, ela segura o vestido e ensaia uma brincadeira no corredor, sorri e sobe as escadas correndo - dois degraus por vez. Além disso, espelhos e umidade fazem parte de todo o filme - além das incontáveis portas. Arcos. Túneis.

Escolhas, escolhas, escolhas...

Há cenas de passagem lenta. O foco está na minúcia dos detalhes. Os sons naturais são intensificados. O barulho da água, os passos no assoalho, o vento, até o acender de uma lâmpada ganha um ruído fora do comum.

Andrei é tomado por melancolia, a forte chuva acentua a solidão. Deita-se na cama de qualquer forma, tem pesadelos. Um cão (que aparece - e desde então segue todo o filme) surge e o conforta.

Na pousada tem uma piscina com águas termais. Um grupo toma banho. Sempre há uma bruma. Andrei fala com o cão [mais ou menos assim - transcrevo o que lembro dos diálogos]:
- Sabe porque todas essas pessoas estão lá dentro?
- Querem viver eternamente.
- Olha-os! Olha-os!
É então que aparece nosso segundo personagem - Domenico.
E a cena segue com uma interessante abordagem.
Domenico sai na piscina, vê Eugenia e diz:
- "Senhorita!
- Eu não fumo, mas pode dar-me um cigarro?"
Ela:
- "Sim, é claro, se não fumas..." [ela também não fumava]
Visto no lugar como um lunático, ninguém dá atenção ao velho Domenico. Apenas Andrei vê seu interesse despertado. "Imagina, um homem que trancou por sete anos sua família dentro de sua própria casa! Será por isso sua loucura? Sua solidão?"
Domenico diz após apontar para o céu:

"Tu eras o que não és. Mas eu sou o que és".
 (Foi o que Deus disse a Santa Catarina).

Na seguinte conversa com a tradutora, Andrei diz:
- "O que é a loucura?
- São problemáticos? Inconvenientes?
- Pensamos poder entendê-los.
- Estão sós!
- Mas certamente estão mais próximos da verdade.
- Minha vida é normal, não há nada de interessante em um escritor russo".

Há uma mescla entre os personagens de Andrei e Domenico. Andrei sonha com a história de Domenico, como se fosse a dele - na velhice.

Na parede está gravado: 1+1 = 1

Goteiras e mais goteiras. Garrafas de todos os tamanhos e cores tentam aparar a água. Inútil. O salão, onde mora Domenico é tão grande e cheio de enigmas que nos levam a uma metáfora acerca do dentro e fora. Observando o interior da "casa" de Domenico o que tem maior realce é a cama - o único lugar aparentemente seco (mas há uma bolha de água logo acima prestes a romper). Logo após, seguindo Andrei, na metade do caminho - ainda no interior - há uma parede demolida. Tudo está ao chão, mas entre todo o espaço em aberto, Domenico segue a Andrei através da porta - a única estrutura que se encontra em pé. O que isso mostra? A escolha do caminho único que se poderia seguir? Vemos que ele escolheu o mais difícil. Porque abrir a porta e seguir a Andrei quando todo o restante do espaço está sem obstáculo algum?
É muito fantástico tudo isso.
Será que Gorchakov, Domenico e Tarkovski eram as mesmas pessoas? São claras as relações. Diferente de escritores que podem criar histórias totalmente adversas à experiência, Tarkovski cria personagens que habitam em sua própria mente. Domenico que manteve sua família reclusa, é como Tarkovski que obrigou a família ao exílio por conta de sua obra. Gorchakov é o escritor, assim como foi Tarkovski - "Necessitamos de ideias grandes!"
- "Eu era egoísta, gostaria de salvar a minha família. Todos devem ser salvos no mundo."

O final é lindo. O jogo das luzes que atuam em caminhos adversos - aquele que se salva pela chama da fé (do divino) e aquele que acende fogo em seu próprio corpo. Esculturas estáticas de humanos acompanham tudo como se estivessem dentro de uma cena teatral - indiferentes.
Exemplos manifestam a adversidade: uma mulher passa batom no espelho (em total descaso) enquanto o homem pega fogo. Um louco aos pés do cavalo em bronze, reproduz a dor da morte - e brinca tal qual um intérprete teatral.
Apenas o cão, foi o único a manifestar-se perante ao angustiante e intenso final.



"No hay caminos, hay que caminar"
Andrei Tarkovski (1987)















Curta Mexicano


A ciência tenta construir um mundo que permaneça invariável às intenções e conflitos humanos (...)
No entanto, o humanista ocupa-se, principalmente, do mundo e das mudanças que experimenta (...)
Talvez seja por este motivo que os tiranos odeiam ou temem tanto
os poetas, os novelistas, historiadores e filósofos.
Jerome Bruner




O curta "La leche y el agua", dirigido por Celso García, é um forte exemplo das relações entre ficção e realidade.
Uma senhora já bastante idosa mora sozinha em uma terra árida. Seu cotidiano gira em torno de duas ações. Por um lado, a atenção com sua única vaca - o leite, que usa como alimento e também como oferenda ao marido já morto. De outro, a espera pela chuva.
Fluídos tão necessários nesse caso, como as construções mentais de nossa personagem. O que chama mais atenção é a simplicidade dessa existência e como a vida é frágil e dependente. A solidão e a espera. O imaginário e o misticismo. São duetos que cercam os doze minutos que poderiam resumir doze anos de repetição - dia após dia.
A realidade e a fantasia são os grandes produtores de sentido. Comédia de situações efêmeras.
No final, o cansaço e a falta de esperança resultam na ação significativa. É a impressão sensível de um fragmento de tempo e espaço que gera o derradeiro sentido de vida. Nesse caso, duas necessidades e uma anula a outra.
Essa história configura o que é recorrente em qualquer personagem - é a natureza da psique humana que constrói o imaginário.
O que parece ser óbvio cria fissuras notáveis quando deslocamos o ser de seu meio.
Nosso maior laboratório está nesse pedacinho de mundo em que nos encontramos.
Não podemos compreender os sonhos nem mesmo aquele que sonhou - acredito que Freud pense o oposto. Entretanto, em toda narrativa somando-se meios e fins, extraímos a essência daquilo que nos querem comunicar. E isso basta por hora.

Ímpar

Bem impactante o denodo do escultor Jason deCaires Taylor.
Apesar das formas geradas a partir de moldes em humanos, o destaque fica para o deslocamento. A escolha das expressões e as situações criadas são bem singulares. O que mais gostei no trabalho foi a transformação provocada pelo tempo. As máscaras de cores e as novas feições oferecem as esculturas toda uma outra aura.  










Dancer in the dark




Um filme de Lars von Trier, 2000
É um grande drama. Apesar da comovente história, o musical nos mostra que um fato inesperado pode ter seu efeito amenizado quando a arte faz parte da construção.   
Selma Jezkova (Björk) é mãe-solteira tcheca que foi morar nos Estados Unidos. Ela tem uma doença hereditária que a faz perder a visão, algo que também deverá acontecer um dia a seu filho Gene (Vladan Kostig), um garoto de doze anos. Entretanto, sabendo que existem médicos nos Estados Unidos que podem operar Gene ela parte com a resolução de salvar o filho de seu destino. Trabalhando duro, guarda tudo o que ganha para a cirurgia. Bill (David Morse) e Linda (Cara Seymour), seus vizinhos, juntamente com Kathy (Catherine Deneuve), uma colega de fábrica, a ajudam no que é possível, mas quando Bill se vê em dificuldades financeiras rouba o dinheiro que Selma tinha economizado duramente. Este roubo é o ponto de partida para trágicos acontecimentos.
Selma é encantadora, terna. Trabalha o dia inteiro numa fábrica de peças, cuida do filho, e ainda faz teatro durante a noite. Apaixonada por música. Os mais variados sons transformam-se em realidade musical em seus sonhos.
É notável a amizade de Kathy "Cvalda" tirando Selma de devaneios perigosos que a colocam em risco no trabalho.
Muitas vezes o musical entra em cena de imediato, criando um certo desconforto, mas é preciso compreender que tudo são construções mentais de Selma. Segundo ela, nas situações difíceis é que surgem essas fugas que a fazem revigorar. 
A distinta forma de filmagem (assim como nos demais filmes desse diretor) deixa uma sensação de proximidade. É como assistir a uma antiga fita de família. 
Fortes memórias de uma vida apaixonada capaz de tudo para proteger o filho, a amizade e uma promessa. 
Selma manteve a palavra mesmo sabendo que a morte a esperava. Mas no fim, o que fica, é a beleza e a distinção de alguém que foi forte o suficiente pra manter uma decisão até o fim.
A paixão de Jeff por Selma é de arrepiar. Mesmo sendo rejeitado, Jeff faz tudo para ajudá-la e ficar sempre por perto. 
Bárbaro.
Tudo isso alcança maior destaque quando sabemos que toda trilha do filme foi criada por Björk (que além da linda voz, mostrou também muita competência como atriz).
Outros filmes igualmente desconcertantes de Lars von Trier  já bem conhecidos são Melancholia e Dogville.   

I've seen it all
Musical entre Selma e Jeff:

Eu Já Vi de Tudo
Eu já vi de tudo, eu já vi as árvores
Eu já vi as folhas de salgueiro dançando ao vento
Eu já vi um homem ser morto pelo seu melhor amigo
E vidas que acabaram antes mesmo de começar
Eu já vi o que fui e já sei o que serei
Eu já vi de tudo, não há mais nada para ver

Você não viu elefantes, reis nem o Peru
Fico feliz em dizer que tinha coisas melhores a fazer
E a China? Você já viu a Grande Muralha?
Toda parede é boa se não deixa o telhado cair

E o homem com quem casará?
A casa onde irão viver?
Pra ser franca, eu não me importo

Você nunca foi às cataratas do Niágara?
Eu já vi água. É água, só isso.
A Torre Eiffel, o Empire State?
Meu pulso estava igualmente alto no meu primeiro encontro
A mão do seu neto enquanto ele brinca com seu cabelo?
Pra ser franca, eu não me importo

Eu já vi de tudo, eu já vi a escuridão
Eu já vi o brilho de uma pequena faísca
Eu já vi o que eu optei por ver e já vi o que precisava
Isso é o suficiente, querer mais seria ganância
Eu já vi o que fui e já sei o que serei
Eu já vi de tudo, não há nada mais para ver

Você já viu de tudo, e de tudo você já viu
Você pode rever na sua própria telinha
O claro e o escuro, o grande e o pequeno
Tenha em vista que você não precisa de mais nada
Você viu o que foi e já sabe o que será
Você já viu de tudo, não há mais nada para ver.





O homem sem qualidades

A realidade toma várias formas, dependendo do pensamento e do estado de espírito. 



Hoje novamente estas palavras passaram a se repetir em minha mente - o homem sem qualidades. Acho o título fantástico e se tornou tão marcante como uma propaganda comercial. Já faz algum tempo que escutei o comentário de um professor de psicologia sobre o tema, mas sempre acabo esquecendo de procurá-lo.
São incríveis esses livros recheados de diálogos e dissertações filosóficas. Algumas vezes temos que reler um trecho ou uma página inteira, mas é aí que está a delícia do encontro. Um texto leve é um bom companheiro na praia. Assim como nos filmes e na vida - são as personalidades fortes que marcam e que valem a ocupação.
Parece que Kundera também gostava de Musil.

Se existe um investimento - livros.
Há tantas publicações que ficamos em dúvida do que escolher. Buscamos a opinião de outros; daqueles que se deixam desnudar pelas letras.
Oh! Tempinho esse que corre com as calças erguidas! Aos pulos, como se desviasse de poças de lodo.
O mínimo se torna imenso - ainda mais quando se mostra apenas o que a maioria vê. Não. Há outros. Só vale a pena o tempo bem gasto. De resto, estecos e pincéis.

Resumo de Marcelo Backes
Em agosto de 1913, momento em que a ação do romance principia, Ulrich - o homem sem qualidades - tem 32 anos. Ele faz três grandes tentativas de se tornar um homem importante. A primeira delas é na condição de oficial, a segunda no papel de engenheiro (vide a carreira do próprio Musil) e a terceira como matemático, exatamente as três profissões dominantes - e mais características - do século 20. Os três ofícios são essencialmente masculinos e revelam o semblante de uma época regida pelo militarismo, pela técnica e pelo cálculo que, juntos, acabariam desmascarando o imenso potencial autodestrutivo da humanidade. Depois das três grandes tentativas, Ulrich reconhece que o possível significa, para ele, muito mais do que o real, sempre estereotipado, medíocre e esquemático.

Ulrich - cujo sobrenome é omitido "em consideração a seu pai" -, chegou a se chamar Aquiles, mais tarde Anders (o diferente), e mesmo o título do romance de Musil mudou várias vezes antes da publicação, passando de O espião a O salvador (Der Erlöser) e As gêmeas, títulos que assim como aquele que acabou se impondo dizem muito sobre o romance. O relato acerca da busca "desencantada" de Ulrich lembra a velha busca - ainda sagrada - do Santo Graal. Ulrich quer compreender o "motivo e o mecanismo secreto" de uma realidade que desmorona e para isso se retira à passividade de uma postura apenas contemplativa, que marca também a postura do autor e a postura do romance.


Ulrich se sente um homem sem qualidades porque o mundo contemporâneo inverteu os princípios do humanismo e colocou a matéria no centro da realidade moderna. Na verdade, Ulrich via em si todas as qualidades e capacidades privilegiadas por sua época - exceto a de ganhar dinheiro, da qual também não necessitava -, mas foi obrigado a constatar que a possibilidade de aplicá-las já havia lhe escapado às mãos. "Surgiu um mundo de qualidades sem homem, de vivências sem aquele que as vive" e, assim, o personagem se vê confrontado com as contradições centrais do universo contemporâneo: a luta entre causalidade e analogia, entre crença na ciência e pessimismo cultural, entre lógica e sentimento, em suma. No fim, o que resta é a impossibilidade de perpetuar a reconciliação entre eu e mundo, de consumar a "entrada no paraíso", a ataraxia de Schopenhauer, a placidez ausente de vontade e busca da vida contemplativa.

Todos os personagens de O homem sem qualidades apenas são importantes na medida em que se relacionam com Ulrich, na medida em que são, inclusive, superfícies nas quais ele mesmo se espelha. Todos eles não deixam de configurar, de certo modo, possibilidades e aptidões do próprio Ulrich. Mesmo o assassino de prostitutas Moosbrugger, o símbolo central do descalabro em que se encontra o mundo, é um espelho no qual Ulrich se vê refletido, já que os delírios do homicida não deixam de ser variações extremas das experiências de Ulrich em relação àquela que chama de "outra condição" (anderer Zustand), de sua busca incansável da liberdade do disparate e da vivência original, paradisíaca. Na segunda parte do romance, aliás, Ulrich passa a vivenciar cada vez mais situações de enlevo quase sobrenatural, em que já não logra mais distinguir os limites espaciais e temporais do mundo que o envolve. Mais tarde Ulrich inclusive tenta a "outra condição" junto com Agathe, sua irmã, a "duplicação assombreada de si mesmo na natureza oposta". O amor mítico-incestuoso entre os dois constitui uma das mais belas e dolorosas histórias de amor da literatura universal.

Muito bom o comentário de Jaime Bulhosa:
Sabem aquele cliché que diz que se detecta um bom escritor logo na primeira frase do seu livro e com apenas alguns capítulos lidos se percebe, imediatamente, se é ou não um bom livro. O Homem Sem Qualidades de Robert Musil é um desses casos. Começa-se a ler e logo se aprende mais nos primeiros capítulos do que em muitos livros juntos.

Deixo-vos com excerto do quarto capítulo que ilustra bem o que vos digo:
«Se quisermos passar sem problemas por portas abertas, é bom não esquecer que elas têm ombreiras sólidas; este princípio, segundo o qual o velho professor sempre tinha vivido, mais não é do que uma exigência do sentido de realidade. Ora, se existe um sentido de realidade – e ninguém duvidará de que ele tem direitos à existência -, então também tem de haver qualquer coisa a que possamos chamar o sentido de possibilidade.
Aquele que o possui, não diz, por exemplo: isto ou aquilo aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer aqui, mas inventará; isto ou aquilo poderia, deveria ter acontecido aqui. E quando lhe dizem que uma coisa é como é, ele pensa: provavelmente, também poderia ser diferente. Assim, poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é. Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais sutil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito. Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza, débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito.»

*"O ser humano é bom se o deixarem em paz".
Musil

Porto Alegre Week



Chegou a nossa vez!
De 02/07/2012 à 15/07/2012
Porto Alegre sedia a terceira edição do Porto Alegre Restaurant Week, com início em 02 de julho de 2012. O Restaurant Week retorna com menus atrativos para mais uma maratona gastronômica nos melhores restaurantes da cidade. A receita é simples: entrada, prato principal e sobremesa a um preço fixo, igual em todas as casas participantes.
Almoço R$31,90
Jantar R$43,90
Os restaurantes participantes e o cardápio estão no site: 
www.restaurantweek.com.br/restaurantes/poa/lista





Cantina do Toco


Domingo é sempre bom sair pra almoçar. Fazer um programa diferente. Com sol, nada melhor do que ir até Ipanema. Água clara, areia limpa, céu azul e belas paisagens. Pessoas fazem exercícios no calçadão. Bichos. Pássaros. 
Conhecemos um lugarzinho bem especial. Cantina do Toco. São duas salas pequenas e aconchegantes. Uma pequena lareira traz um charme especial. As janelas são baixas e os vidros coloridos. Na parede, muitos detalhes. Um rústico com charme. Uma boa opção gastronômica.
Rua Ladislau Neto, 45.
O site do restaurante é muito bonitinho e contém todas as informações:
www.cantinadotoco.com.br









Chopp de trigo e escuro



Filé recheado com batatas ao provolone



Parte externa

Apesar de uma boa carta de vinhos, a especialidade são as cervejas artesanais.
Opções para todos os gostos e bolsos.





A maior novidade fica pra Revista da Cerveja, com tiragem de cinco mil exemplares e edição trimestral. A revista vem suprir o crescente mercado de cervejas especiais e artesanais, assim como o grande contingente de cervejeiros caseiros, artesanais e microcervejarias – e também o universo que envolve a produção cervejeiras, desde equipamentos industriais aos ingredientes cervejeiros.

O Rio Grande do Sul, ao lado de Santa Catarina, é um dos estados que mais produz cervejas, assim como profissionais envolvidos no segmento. Além de microcervejarias e profissionais, que formam a cadeia produtiva da cerveja, também cresce a cada dia o número de bares, pubs, restaurantes e espaços que comercializam este tipo de cerveja e dos seus apreciadores. Importante também registrar o surgimento de entidades e associações representantes ligadas ao meio, como a ACERVA, que este ano está realizando, por exemplo, o VII Encontro Aberto, além de premiações, festivais e outros eventos – todos levando sempre um grande público, sejam leigos ou especialistas.

A Revista da Cerveja traz reportagens, entrevistas, colunistas especializados, perfis e novidades sobre fábricas, gourmets, harmonização, receitas, entrevistas, história, mercado, gastronomia e, sobretudo, o público consumidor.

Custando R$ 10,00 a Revista da Cerveja, será comercializada em bancas especiais, bares e restaurantes. Tem como Editor e Diretor Responsável o jornalista Fabrício Scalco já a Direção Editorial é assinada por Emílio Chagas. Em sua primeira edição destacam-se a reportagem como Eduardo Bier, o fundador da pioneira Dado Bier, entrevista com os colunistas e especialistas de cerveja da revista Playboy, Marcelo Cury e Diego Cartier, receitas e harmonização do chef australiano Greigor Caisley, além do resgate da mais antiga cervejaria do país e o maior colecionador de latas (cheias) de cerveja da América Latina, entre muitas outras novidades.