A arte que está dentro e fora de nós



Imagina alguém com paixão por filmes, arte e filosofia ao se deparar com a análise de um psicanalista a uma grande produção?
Foi assim neste sábado. O filme Cisne Negro, sob direção de Darren Aronofsky, 2010, é uma das obras mais pungentes que já assisti. 
Quatro horas de análise. Vinte e oito minutos de filme. A facilidade de expressão e o conhecimento de João Luiz Costa Ribeiro são estimulantes. Apenas não chamaram a atenção os comentários do público. Repetição e vazio nas frases já colocadas em outras palavras. O tempo também cansa. Já não há posição confortável na cadeira. Mas a mente pede atenção. Vontade de saber mais. Despertar para o símbolo. Mergulhar no inconsciente. 
Eu já comentei superficialmente o filme no momento de sua estréia no cinema. Uma grande vontade de escrever sobre a beleza da arte toma meus pensamentos.
Agora comecei a estudar mais sobre cinema. O surgimento da imagem conceito vai de encontro a minha maior busca e desejo de prática na escultura. Por vezes, o sono some. Pensamentos, criações e vontades que se debatem. A arte bonitinha e certinha cai no ostracismo. Aquilo que simplesmente está ali, torna-se fortuito. Admiro a técnica, mas agora a busca é por algo que ainda não surgiu. Uma forma de fazer que possa dizer mais. Mesmo na terracota, uma plástica antiga, pode ser além. Vejamos o trabalho de Rosana Paulino, por exemplo, ao expor Tecelãs na quarta Bienal do Mercosul. Mesclas de conceitos que juntos formam e redefinem uma forma de ver filosoficamente a vida e as formas.
Assim como o cinema que é a arte de fazer coisas com imagens. A escultura pode dizer coisas através da imagem. É um aceitar "deixar-se afetar" por uma coisa de dentro dela mesmo.
Como diz Julio Cabrera, há uma parte do saber que não é dizível. Para fazer filosofia com um filme, precisamos interagir com seus elementos lógicos, entender que há uma idéia ou um conceito a ser transmitido pela imagem em movimento. O cinema é universal não no sentido do "Acontece necessariamente com todo o mundo", mas no de "Poderia acontecer com qualquer um".
Apenas um filme visto de forma inteira é um conceito-imagem, mesmo quando unidades memores podem ser - e são, sem dúvida - conceituais.
Um exemplo bastante sólido é o filme 2001 - Uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick (conceito de imagem da noção de "Relação com a inteligibilidade do mundo"). A tese completa só será apresentada no final, na imagem do enorme feto que flutua no infinito. As imagens são de alto nível especulativo, um dos filmes mais metafísicos que já foram produzidos.
Filmes para rever: Os pássaros, de Hitchcock. Um filme que diz algo importante sobre a fragilidade da existência humana; A última gargalhada, de Murnau; O anjo azul, de von Sternberg (ambos conceitos-imagem do despojo); A mosca, de David Cronenberg. Baseado em sua experiência, assistindo a uma grave doença de seu pai. A transformação de um homem em inseto (como em Kafka) é uma metáfora do envelhecimento e da doença, isto é, da condição humana.
O fato de um certo texto ser fictício, imaginário ou fantástico não impede em absoluto o caminho para a verdade. Ao contrário, através de um experimento que nos distancia extraordinariamente do real cotidiano e real familiar, o filme pode nos fazer ver algo que habitualmente não veríamos. Talvez precisemos ver um bom filme de terror para nos conscientizarmos de alguns dos horrores deste mundo - não que esses fatos já não estejam saltando aos olhos.    
Outros filmes para ver de Aronofsky:


Réqueim para um sonho, 2000.  O filme trata das vidas de quatro pessoas distintas vivendo no Brooklyn, em Nova York, todos em busca por satisfação na vida. Mostra como as drogas e outros vícios afetam direta e indiretamente a vida de cada um, revelando o percurso dos sonhos e prazeres até um mundo de misérias e desesperos.


Pi, 1998 - O jovem matemático Max Cohen está convencido da existência de uma correlação deliberada entre padrões matemáticos e padrões existenciais. Durante os últimos dez anos, tenta decodificar o padrão numérico do maior sistema do caos ordenado: o mercado de ações. À medida que se aproxima da solução, o caos vai tomando conta de seu cotidiano.



O lutador, 2008 - segundo comentário de Jair Santana, o filme traz a historia de Randy “Carneiro” Robson, personagem fictício que se confunde com a história do ator que o interpreta, Mickey Rourke.Rourke assim como Randy, teve uma carreira bem sucedida, e agora encontra-se no ostracismo, tentando sobreviver das lembranças do passado. Algo muito próximo do ator, que graças ao seu personagem, promete ficar no passado. A proximidade entre os dois é impressionante. Em certo momento Randy solta o seguinte texto: “Quem sabe com isso eu não volte ao topo?”. Essa fala cabe muito bem para o personagem e para o próprio ator.
A câmera colada no personagem, a fotografia suja e seu universo totalmente decadente chega realmente e incomodar. Talvez seja essa a intenção do diretor, mas torna o filme menos atraente para o espectador. A auto-flagelação das lutas, o sofrimento interno, a doença, tudo é capitado mas não temos empatia por aquele personagem.
Randy, por mais que a câmera cole em seu ombro, continua sendo um indivíduo enigmático para o espectador. Não sabemos o que pensa, como pensa, e não vemos sua mudança.
Assim como Randy no ringue é rei, quando afirma “A vida não dá a mínima para mim, mas no ringue eu sou importante”, o ator Mickey Rourke é o rei na tela com sua interpretação. Marisa Tomei, que interpreta uma dançarina de boate, afirma que “a noite, não se mistura com a vida real”, colocando que na noite, as pessoas são como um personagem, assim Randy, seria um no personagem do ringue.
Essa mistura de fantasia e realidade é o forte do filme. A leitura dos fracassados americanos. A historia do inalcançável sonho de vitoria. A estrela dos anos 80 e 90, é agora somente lembrança, e junto com outros homens com historias parecidas com a sua, se reúne nos fundos de um ginásio, para dar autógrafos em fotos antigas pra tirar um dinheirinho.
Ao perceber o quanto seu fim é decadente, Randy tenta reconstruir uma vida normal. Procura a realidade imposta a todos. Percebe então, que não mais consegue viver a realidade. Acredita ser realmente ser Randy “Carneiro” e não como o cara do seu documento de identidade. E assim, praticamente implora para seu novo patrão o chamar de Randy e não por seu nome verdadeiro.
Tentar resgatar essa realidade, de perdas, doenças, amores mal resolvidos é mais difícil do que se pode imaginar. Fora do ringue, fora do nosso palco, somos todos iguais, e isso é muito forte para quem no seu palco, é o centro das atenções.
Randy tenta, mas parece desistir do real. Não importa o que lhe irá acontecer fora do ring, mas ele voltará para o ringue, onde é o rei.




Fonte da vida, 2006 - Para salvar sua esposa de uma doença terminal, homem inicia uma busca pela Fonte da Juventude, a lendária entidade que garante a imortalidade. A partir daí ele inicia uma busca cercada de mistérios que poderá leva-lo a cura de sua esposa.

Hoje


A crença de que estamos neste mundo mas não somos deste mundo.







Heidegger
A preleção sobre Metafísica, evita a importância ética de falar sobre o nada e a noite.
O bem é apenas o bem do mal. Como superar a noite e reencontrar o caminho para o dia. Tendência do  "dasein" de esconder o abismo do nada que tem à sua frente, embalando-o em falsa segurança e proteção. A angústia dorme, diz ele. É preciso ter atravessado a angústia antes de ter força para se libertar dos ídolos que todos temos e para junto dos quais costumamos esgueirar-nos.
O problema do homem moderno é que faz da noite dia, assim como compreende o dia, como continuação de uma atividade e de um tumulto.
*A melhor resposta para a alta traição do espírito contra a vida é a alta traição do espírito contra o espírito.
Apenas a coragem para o nada. A liberdade sempre tem que voltar a ser libertação. 
Se o "dasein" tem dois atos: a noite da qual ele brota e o dia que supera a noite, Cassirer dirige sua atenção para o segundo ato, portanto o dia da cultura; Heidegger porém quer o primeiro ato, ele contempla a noite da qual nos originamos. Seu pensar fixava aquele nada do qual um algo se destaca. Um volta-se para o originado, outro para a origem. Um lida com a casa da criação humana, outro insiste fascinado diante do mistério abismal da "creatio ex nihilo", que se renova constantemente quando o ser humano desperta para a consciência do seu existir. 


"Sweet hours have perished here;
 This is a mighty room;
 Within its precincts hopes have played,
 Now shadows in the tomb".
 (Emily Dickinson)