Um pequeno passeio


Tempo de ampliar o conhecimento. Respirar arte. Novas ideias. Inspirações. Paisagens. Cultura. Gente diversa.
Volto daqui a duas semanas.

Smultronstället - Morangos silvestres



Os filmes de Ingmar Bergman são tão profundos, que tentar expressar em palavras é como boiar na superfície de um oceano.

Suécia. 1957.

O elenco inclui os atores regulares nos trabalhos de Bergman, Bibi Andersson, Ingrid Thulin e Gunnar Björnstrand. Max von Sydow também aparece em um pequeno papel. Bergman escreveu todo o roteiro no hospital.
Deve ser por isso que o filme, mais uma vez, trabalha com a questão da morte e das lembranças da vida. Vemos muito de Bergman no filme.



Como nos demais filmes, os sons naturais são destaque. O relógio é uma metáfora do tempo que segue.
O enredo nos apresenta um senhor solitário de 78 anos que vive sozinho. Uma pessoa fria, meticulosa, que diz ter desprezo pela lamentação mental. Uma empregada e um cão são os únicos seres que o acompanham no início do filme. Ele fará uma viagem de Estocolmo a Lund pra receber o grau honorário da Universidade de Lund por seus cinquenta anos de carreira. Professor. Médico. É na estrada que se desenrolam os fatos. Marianne (casada com seu único filho, lhe faz companhia). Quatorze horas dentro de um carro. Sonhos e pensamentos que o levam a infância e aos fatos marcantes de sua juventude. No caminho, três jovens (que pediram carona), fazem companhia. A divertida e amável mocinha parece ser a alma mais querida que nosso Isak encontrou nos últimos tempos. Logo após, um fugaz incidente, os levam a conhecer um casal problemático. As brigas e críticas são tão exageradas que logo desistem de ajudar o casal.
No início, nosso personagem já dá o tom do que virá: 
"Nas nossas relações com outras pessoas, nós basicamente discutimos e julgamos seu caráter e seu comportamento.
Por causa disso, eu me afastei, por iniciativa própria, do que eu poderia chamar de minha vida social.
Essa minha decisão acabou tornando a minha velhice um tanto solitária.
Durante toda a minha vida, eu sempre trabalhei duro e sou grato por isso".
Não fica claro a posição de Isak Borg sobre religiões. Perguntado se acredita em Deus, ele responde (com a ajuda da nora e do pretendente a pastor): 
"Onde está o Amigo que busco em todo lugar, ao despertar da alvorada, momento de estar só e vigiar?
Quando chega o entardecer...
é Ele que sigo buscando.
Diante de Sua glória, meu coração queima, e sinto Sua presença nos grãos e nas flores.
Seu Amor está em todo lugar, por todo o ar.
Sua voz, trazida pelo vento, parece nos chamar".



Numa conversa franca com Marianne, ela lhe diz o quanto ele é frio e "inatingível". Casada com seu filho, teme que o marido se torne igual ao pai. Ela diz: "Você acha que sabe de tanta coisa, e ainda não sabe de nada". Isak não tem respostas, mas em seus sonhos, realidade e imaginação se unem. 
Interessante lembrar da canção sobre a existência de Deus e fazer a relação com um dos sonhos que Isak teve no carro, enquanto Marianne guiava: "Durma, bebezinho, não tenha medo do vento, nem dos pássaros, nem das ondas do mar. Não tenha medo..."
Imagina alguém real escrevendo essa história enquanto convalesce em uma cama de hospital.
Em outro sonho interessante e também carregado de significados, Isak vive uma outra situação. Vê-se em uma sala na qual está sendo avaliado por um superior. Isak vive as situações com seus 87 anos, mas as cenas se passam como se fossem num tempo de seu passado. Ele precisa avaliar uma bactéria e diz que não consegue ver nada; pedem pra ele ler o que está no quadro negro, e ele diz que não consegue entender. Assim o suposto superior apresenta a avaliação:
- "Você  é culpado".
   Isak pergunta - mas porquê?
- "Culpado por incompetência, frieza, egoísmo, falta de compaixão. Foi sua mulher quem fez a queixa".
-  "Mas ela morreu a trinta anos!" 
O acusador continua (mais ou menos assim): 
- "Quando lembramos de um familiar, vem a mente momentos bons e felizes. Mas no seu caso, o que sempre é destacado é a terça-feira do dia 1 de maio de 1917". Este foi o dia mais marcante de nosso personagem que viu sua esposa flertando com um homem ousado. Mas a esposa diz que ele (Isak) não vai ligar porque ele é um "homem frio". 
E segue:
Isak para o acusador - "E a minha punição?"
- "É a SOLIDÃO!"
Então, nosso enigmático senhor acorda de seu sonho e diz a Marianne: "Os sonhos são como se quisessem me dizer algo que eu não sei o que é. Que estou morto, apesar de estar vivo".
Entra o ápice desse encontro, Marianne então responde (mais uma vez) o quanto tem medo que seu marido fique igual ao pai. Ela o ama. Está grávida. Mas uma escolha a foi imposta, ou o marido ou o filho. Ela decidiu por ter o bebê e é por isso que foi pra casa de Isak. 
Segundo o marido - "Pra quê ter filhos? Não existe certo nem errado. As pessoas agem de acordo com suas necessidades. Que necessidades? A de viver, de existir, de gerar a vida!"
Mas ele não tem essa necessidade. Sua necessidade - a morte. Pois a vida é muito triste e cheia de sofrimentos.
Todas as cenas do filme são tão necessárias como os pilares que sustentam uma construção.
Bergman, um ser exemplarmente humano, com preocupações tão pulsantes quanto a vontade de viver.  

Em 2004, foi considerado pelo New York Times como um dos 1000 melhores filmes já produzidos.



A vespa e o cacto


Ali estava eu.
Em busca de algo diferente no jardim.
Um cacto floresceu.
Sua forma não impede a aproximação.
Beleza ao avesso.
Um retrato
da minuciosidade da vida.
Um segundo
 é o que o olhar precisa pra encontrar a forma.
Um inseto errante...

Há vespas que vivem sozinhas.
Operárias que constroem o próprio ninho.
E há aquelas que precisam da sociedade. 
E vivem em colônias.
Hábitos diurnos - 
assim como os cactos que adormecem ao anoitecer.
As vespas possuem ferrão.
Os cactos, espinhos.
Ferem por proteção.
Bonita a comunhão entre seres dependentes.
E totalmente independentes.
Agora, dias depois
o cacto continua lá
suas flores ainda persistem.
Mas a vespa...
já é passado. 
Já não sei mais quem eu sou,
tantas são as andanças.


L.


Qui viennent d'arriver...

"Sans quoi faire"



"Arc-en-ciel humain"





"Le prisonnier imaginaire"



"Le repos de la douleur"



Série Être

"Je suis"



"Tu és"



"Il est"



"Nous sommes"



"Ils sont"



"Soutien"



"Sans quoi faire"



"Présence d'esprit"



"Le chat charmant"


Filme - Det sjunde inseglet (O sétimo selo)


"Quando o cordeiro abriu o Sétimo Selo houve um silêncio no céu por cerca de meia hora".


Música de Erik Nordgren.
O filme é um exemplo típico do cinema scandinavo, segundo Kemp, isso por sua introspecção e sua reflexão, mas ele deve a própria existência a uma comédia romântica. Foi o sucesso de "Sorriso de uma noite de amor", 1955, do mesmo Bergman, que levou os financiadores suecos a apostar num projeto que inicialmente consideraram de mau agouro.
O filme tem início com a sugestiva paisagem do mar revolto e seu ruído amedrontador.
Um cavaleiro desiludido (Max von Sydow) e seu companheiro, voltam para casa após dez anos nas Cruzadas. A violência, a doença e a morte estão ao seu redor. O país está sendo devastado pela peste negra; um artista está trabalhando num afresco da Dança da Morte na igreja; e a morte (Bengt Ekerot), com seu rosto branco e usando um capuz, está à espera para cobrar o que é devido pelo cavaleiro. O filme tem origem numa peça chamada "Pintura sobre madeira" (do próprio Bergman). Obra que foi transmitida pelo rádio em 1954, tendo esse diretor como narrador. As reflexões escatológicas de Bergman ganharam visibilidade diante do que estava acontecendo no mundo na época. Era o auge da guerra fria e muitos temiam que o mundo viesse a enfrentar a aniquilação nuclear.
O filme exibe uma série de imagens inesquecíveis, que seriam imitadas e parodiadas, principalmente a do jogo de xadrez do cavaleiro com a Morte na praia e a dos bailarinos que são empurrados do penhasco pelo Anjo da Morte.


Bergman assumia várias influências do filme, das gravuras de Albrecht Dürer e do filme "A carruagem Fantasma", de Victor Sjöström (1921), até o coro de "Carmina Burana", de Carl Orff. Para muitos artistas e cineastas seguidores de Bergman, o Sétimo Selo é um dos primeiros pontos de referência quando se trata de discutir e explorar o tema da MORTE.


 Quem é você?
 Eu sou a Morte.
 Veio me buscar?
 Como me encontrou?
 Ando com você a muito tempo.
 Eu sei.
 Está preparado?
 Meu corpo está, mas eu, não.
 Espere!
 Está bem, mas não posso adiar.
 Você joga xadrez?
 Como sabe?
Eu já vi nas pinturas.
 Posso dizer que jogo muito bem.
 Não é mais esperto do que eu.
 Porque quer jogar comigo?
 Isto é problema meu.
 Tudo bem.
 Se eu vencer, viverei. Se for xeque-mate, me deixará em paz.
[no sorteio a morte ficou com as peças pretas]
 Bem apropriado, não achas? 


"Porque Deus tem que se esconder numa neblina de vagas promessas?"
"Como iremos acreditar nos que acreditam quando não acreditamos em nós mesmos?"



"Eu quero conhecimento. Não crença. Não suposições. Mas conhecimento. 
Minha vida toda tem sido uma procura sem significado. Busco uma ação significante".

É um filme fantástico. Deve estar na lista dos apaixonados por filosofia.

Filme - Viskningar och rop (Gritos e sussurros)


Comecei a assistir aos filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007).
A escolha por esta obra como marco de início foi casual. Não vejo necessidade de seguir uma cronologia. Até me parece interessante esse ir e vir na obra de um artista como este.
Para os apreciadores da sétima arte não tem como não admirar esta bela produção.
Já no início do filme o cenário nos leva a observar os detalhes tal qual acontece com o Cisne negro. A sala vermelha, as mulheres com longos vestidos brancos. A elegância dos gestos e olhares, são aspectos que chamam a atenção. Os ruídos são marcantes. Os relógios a baterem. O risco da caneta na folha de papel. O piano. Sons que são cortados apenas com o grito de dor da irmã doente. 


O filme examina com precisão alguns dos temas favoritos de Bergman: a futilidade do amor, a quase impossibilidade da verdadeira comunicação, a inacessibilidade da fé. Lembra o conto do escritor russo Anton Tchekov sobre três irmãs.
Segundo Kemp, Philip, este filme marca um período de reinvenção e renovação na carreira de Bergman - os flashbacks fluidos, os close-ups sensuais e o emprego suntuoso e sufocante da cor para criar um drama psicológico que é, ao mesmo tempo, rico e rigoroso.
Bergman afirmou que poderia imaginar todos os seus filmes em preto e branco, exceto este, e aqui o estilo sedutor se amolda ao conteúdo. O diretor de fotografia Sven Nykvist experimentou por três semanas captar os diversos tons do vermelho -  a cor do sangue, da paixão e (para o diretor) da própria alma. As mulheres enigmáticas e fantasmagóricas vagueiam em vestidos e camisolas de um branco atordoante.
Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullman) cuidam da irmã caçula Agnes (Harriet Anderson), que está à beira da morte, mas é a empregada Anna (Kari Sylwan) que lhe traz conforto. O filme retrata um mundo tomado pela dor - física, emocional e espiritual. Sequências de sonhos e flashbacks estabelecem como o passado e o presente se sobrepõem, ao mesmo tempo que oferecem uma explicação para a evidente paralisia emocional. Bergman, porém, raramente contemplou um mundo sem esperança e o filme termina com um nota de graça. Anna lê um trecho alegre do diário de Agnes e a ação volta ao passado para captar um passeio feliz das irmãs pelos jardins dourados pelo outono.


O primeiro som humano é um ofegar de agonia.



Esta cena é linda e poética. O conforto de Anna a Agnes. Existe uma sedução velada entre ambas, mas não chegamos a nenhuma conclusão.

"Fomos até dar uma pequena caminhada. Foi um acontecimento e tanto (...). Toda a minha dor foi embora. As pessoas de quem eu mais gosto estão comigo (...). 
Pensei: isto é realmente a felicidade"

O cinema não é um ofício. É uma arte. Cinema não é um trabalho de equipe. O diretor está só diante de uma página em branco. Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é encontrar as respostas. Nada poderia ser mais classicamente romântico. (Jean-Luc Godard)

Encontrei um "videozinho" produzido pela Veja que dá uma ideia bem geral de Bergman. Mas seu último filme não foi Fanny & Alexander e sim Saraband (2003).