Quando almas se encontram...



Sabe aquele tipo de história que vai enredando o público aos poucos e quando a gente se dá conta, está totalmente envolvido, chegando às lágrimas de tanta emoção e delicadeza? É o que acontece com esse filme francês Minhas Tardes com Margueritte (La Tête en Friche), dirigido por Jean Becker e estrelado pelo gigantesco Gérard Depardieu, que vive o cinquentão Germain , um homem aparentemente bruto e rude.
No entanto, Germain convive com a intolerância e o que hoje conhecemos como bulling desde pequeno: como era gordinho e alto, ele era ridicularizado constantemente na escola, tanto pelos colegas como pelo professor. E em casa era o mesmo drama, pois a mãe (interpretada por Claire Maurier) nunca o aceitou e as brigas eram constantes. Por não reagir, ele se fecha e até a vida adulta sofre gozação dos amigos e é agredido pela mãe.
Porém, a vida do feirante Germain se transforma quando num belo dia ele resolve comer seu lanche na praça e conhece Margueritte (Gisèle Casadesus), uma velhinha de mais de 90 anos que, para espairecer da casa de idosos onde mora, lê seus livros no banco dessa pracinha. De maneira educada, Margueritte pergunta se ele não quer ouvir a história que está lendo; ele aceita e surpreende a velhinha, com sua memória auditiva. A partir desse dia, religiosamente eles se encontram para a leitura e aos poucos ela o traz para o mundo das palavras. É sua redenção! Germain reluta, mas seu interesse pela literatura é tanto que, ao saber que Margueritte sofre de problemas de visão e pode ficar cega, ele passa a ler as histórias para ela!
A maneira como o diretor conta a história do tosco Germain é que provoca o envolvimento do espectador. O feirante não só vende os legumes e verduras como cultiva tudo em sua pequena propriedade. Sua relação com a namorada é de extrema delicadeza e, a partir de seu contato com Margueritte, percebemos como Germain é sensível, amoroso e fraterno. É ele que cuida da mãe, que continua ranzinza até morrer. É ele que, nos momentos de necessidade, consola e dá guarida aos amigos. O brutamonte na verdade é um homem gentil e solidário.
Esse diamante quem dilapidou foi Margueritte, com a palavra, com a literatura. A palavra trouxe aquele menininho acuado para a realidade, de um mundo obscuro e introspectivo para a luz e o amor. Como no final o diretor optou por colocar Germain em off contando a história, fiquei com uma visão bem particular do filme. Germain é o autor do livro que lê para aquela que passou a ser sua verdadeira mãe, Margueritte. 

(favodomellone)



BELEZA



Numa obra instigante, Roger Scruton nos convida a refletir a respeito da beleza e do lugar que esta ocupa em nossas vidas.
Como deixa bem claro, sua abordagem não é histórica nem psicológica: é filosófica.
Assim, nos conduz por questionamentos como: 
A beleza é subjetiva?
Existem critérios válidos para julgar uma obra de arte?
Há algum fundamento racional para o gosto?
Qual a relação entre tradição, técnica e gosto?
Pode o belo ser imoral?
Frente àqueles que consideram que juízos de beleza são meramente subjetivos, Scruton, com sua verve polêmica, questiona tal relativismo: "por que estudarmos a herança de nossa arte e cultura numa época em que o julgamento de sua beleza não possui nenhum fundamento racional?".
E com sua contundência característica, declara: "Neste livro, [...] defendo que [a beleza] é um valor real e universal ancorado em nossa natureza racional [e que ] o senso do belo desempenha papel indispensável na formação do nosso mundo".
Concorde-se ou não com o autor, o fato é que não se pode passar com indiferença por seus argumentos.
Se a intenção era fazer o leitor refletir a respeito do assunto, certamente os objetivos se cumpriram.



Dos prados às pessoas, de Safo ao canto dos pássaros, a beleza tem atraído e confundido a humanidade.
Platão via a beleza como o objeto do desejo e uma via de acesso ao transcendente; Tomás de Aquino a via como um atributo do Ser e um dom de Deus.
Mas também pode ser perigosa, como a beleza de Carmen; perturbadora, como a beleza do Davi de Michelangelo; e até imoral, como a beleza da música de Richard Strauss quando Salomé beija a boca inerte de João Batista.
Então, o que exatamente queremos dizer com "beleza", e que lugar ela deve ocupar em nossas vidas?
Neste livro vívido, franco e estimulante, Roger Scruton afirma que a beleza é tão importante quanto acreditava Platão, e de maneira nenhuma deve ser rejeitada como um sentimento meramente subjetivo daquele que a contempla.
Pelo contrário, a beleza é fundamental para uma vida bem vivida; sem o interesse na beleza, nosso mundo não seria um lar para a nossa espécie.

*Roger Scruton nasceu na Inglaterra, é escritor, filósofo e jornalista.
Sua especialização concentra-se na área da estética, com atenção especial para a música e arquitetura.