...

Antes que Seja Tarde

Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

ZEITGEIST

"O finito não tem ser genuíno".
                                (Hegel)

Provavelmente muitos de nós acompanhamos esses documentários.
Eu já assisti a vários, mas somente agora li a introdução de seu autor. Penso que vale a pena essa página antes de adentrar nas profundezas de seus longas insólitos.
Zeitgeist (termo alemão). Na atualidade sinônimo de polêmicos documentários.
Ver Hegel, Filosofia da História. "Genius seculi".


"NÃO TOMAMOS AS DECISÕES, NÓS CHEGAMOS A ELAS"














Toda mudança histórica é vista, por Hegel, como Geist. Significa o meio caminho entre espírito e mente - suas conotações são mais mentais do que nosso termo "espírito", e mais espirituais do que nosso termo "mente".
Geist é a existência mesma, a essência última do ser; e o processo histórico inteiro que constitui a realidade é o desenvolvimento do "Geist" rumo à autoconsciência e ao autoconhecimento.
Quando este estado for alcançado, tudo o que existe será harmoniosamente um só consigo mesmo.
Hegel chamava essa unidade autoconsciente de tudo de "O Absoluto". Por ver a essência do que existe como algo não-material, sua filosofia ficou conhecida como "idealismo absoluto".
O próprio filósofo combinou esse tema com a crença no cristianismo, mas alguns de seus seguidores abraçaram-na como um tipo de panteísmo, e outros, como uma espécie de religião sem Deus.  
O mais radical deles todos - Marx, assumiu a maioria das ideias de Hegel, mas afirmou que o sujeito de todo o processo histórico não era nada mental ou espiritual, mas material. (Bryan Magee)

"Tudo o que existe é resultado de um processo". Hegel

Très joli...



Avec le temps
Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le cœur, quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
L'autre qu'on devinait au détour d'un regard
Entre les mots, entre les lignes et sous le fard
D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
Avec le temps tout s'évanouit

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Même les plus chouettes souv'nirs ça t'as une de ces gueules
A la gal'rie j'farfouille dans les rayons d'la mort
Le samedi soir quand la tendresse s'en va toute seule

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
L'autre à qui l'on croyait pour un rhume, pour un rien
L'autre à qui l'on donnait du vent et des bijoux
Pour qui l'on eût vendu son âme pour quelques sous
Devant quoi l'on s'traînait comme traînent les chiens
Avec le temps, va, tout va bien

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
On oublie les passions et l'on oublie les voix
Qui vous disaient tout bas les mots des pauvres gens
Ne rentre pas trop tard, surtout ne prends pas froid

Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va
Et l'on se sent blanchi comme un cheval fourbu
Et l'on se sent glacé dans un lit de hasard
Et l'on se sent tout seul peut-être mais peinard
Et l'on se sent floué par les années perdues
Alors vraiment... avec le temps... on n'aime plus


Com o Passar do Tempo
Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora
Esquecemos o rosto e esquecemos a voz
O coração, quando deixa de bater, não vale a pena
Procurar mais longe, é preciso deixar andar, e está muito bem.

Com o passar do tempo,
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Aquela que adorávamos, que procurávamos à chuva,
Aquela que para nós era uma deusa, na volta de um olhar,
Entre as palavras, nas entrelinhas e sob a sombra
De um juramento maquiado que parte para ir dormir
Com o tempo, tudo desaparece.

Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Mesmo as recordações mais ternas tornam-se para ti momentos de vitória
Na galeria que eu remexo nos raios da morte
Sábado à noite, quando a ternura parte sozinha.

Com o passar do tempo,
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Aquela em que acreditávamos, por uma constipação, por um nada
Aquela a quem dávamos vento e jóias,
Por quem teríamos vendido a alma por cêntimos
Frente a quem nos arrastávamos, como se arrastam os cães
Conforme o tempo passa, tudo fica bem

Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora,
Esquecemos as paixões e esquecemos as vozes
Que vos sussurravam palavras de gente pobre,
Não venhas tarde, e sobretudo, não apanhes frio

Com o passar do tempo
Com o passar do tempo tudo vai embora
E sentimo-nos esmagados,qual cavalo exausto,
E sentimo-nos gelados numa cama de acaso
E sentimo-nos sós, talvez, mas, mas confortáveis
E sentimo-nos enganados pelos anos perdidos
Então, realmente ... com o tempo ... deixamos de amar.

Misturinha de textos

Isabel Allende – De amor e de sombra
Sartre – A Náusea
Carlos Castanheda – Porta para o infinito
Erico Verissimo – A vida de Joana D’Arc
Aluísio de Azevedo – O mulato
Zola – A besta humana
Ignácio de Loyola Brandão – Não verás país nenhum
Erico Verissimo - Olhai os lírios do campo
José de Alencar – Lucíola

O primeiro dia de sol evaporou a umidade acumulada na terra pelos meses de inverno e aqueceu os frágeis ossos dos anciãos, que puderam passear pelas veredas ortopédicas do jardim. Apenas o melancólico permaneceu na cama, porque era inútil levá-lo para o ar puro se seus olhos só viam os próprios pesadelos e os ouvidos estavam surdos ao alvoroço dos pássaros.

O melhor seria escrever os acontecimentos dia a dia. Fazer um diário para os considerar com clareza. Não deixar escapar as diferenças de pormenor, de fatos miúdos, mesmo quando parecem insignificantes, e sobretudo ordená-los.

Não importa o que se revela e o que se guarda para si. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal. Se temos o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de nossas vidas. Mas, se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais magnífico nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença.

Olhem só como ela caminha resoluta, como tem os passos largos... Seus pés descalços parecem duas pombas brancas que vão pulando por cima das pedras no caminho.

Era um dia abafadiço e aborrecido.

Estava muito sossegado. Refez o nó da gravata ao espelho, pôs o chapéu e depois saiu.

E, com efeito, foi o homem quem inventou Deus. E o que é espantoso não é que Deus exista realmente, mas que essa ideia da necessidade de Deus tenha vindo ao espírito de um animal feroz e mau como o homem, tão santa, comovente e sábia é ela, tanta honra faz ao homem. Quanto a mim renunciei desde muito tempo a perguntar a mim mesmo se foi Deus quem criou o homem, ou o homem quem criou Deus. Qual é com efeito nosso desígnio? Meu desígnio é explicar-te o mais rapidamente possível a essência de meu ser, minha fé e minhas esperanças. Assim, declaro admitir Deus, pura e simplesmente. É preciso notar, no entanto, que, se Deus existe, se criou verdadeiramente a Terra, fê-la, como se sabe, segundo a geometria de Euclides, e não deu ao espírito humano senão a noção das três dimensões do espaço. Entretanto encontram-se, ainda geômetras e filósofos, mesmo eminentes, para duvidar de que todo o universo e até mesmo todos os mundos tenham sido criados somente de acordo com os princípios de Euclides. De que serve querer resolver o que não é deste mundo? E aconselho-te a jamais quebrar a cabeça a respeito.

Um olhar surpreendente. Esquivo e ao mesmo tempo atravessador. O que me impressionou foi a cor da pele. Dava até mal-estar. Vermelha. De pessoa branca que ficou muito exposta ao sol. Nem um só fio de cabelo. A pele da cabeça transformada em placas ressequidas, como solo de caatinga.

Não largou o velho cachimbo que tinha na mão, aceso, nem mudou o tom de voz, de ordinário arrastado e monótono, sem qualquer inflexão dramática. Mesmo quando não tinha o cachimbo entre os dentes, articulava com pouca clareza as palavras, pois mal movia os lábios.

Acordou no meio da noite. Passando da escuridão dum sono sem sonhos para a escuridão do quarto – nos primeiros segundos ele foi apenas uma criatura sem memória. Era ainda o atordoamento do sono que lhe enevoava as ideias, que lhe dava aquela sensação aflitiva e confusa que devia ser parecida com a da loucura. Durante alguns instantes ele só teve consciência daquela angústia, daquela ânsia, daquela pressão no peito, dum formigamento no corpo e do desejo de luz e de ar. Era uma impressão de fim do mundo.

A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias.

Nosso ser total consiste em dois segmentos perceptíveis.

ESSES HOMENS DE LETRAS!!!
A arte das palavras sempre encantam,
e acompanham.  








Schopenhauer




A vontade é o elemento fundamental a fim de trazer o sentido das coisas e do mundo. É essa união entre o corpo e o sentimento, segundo o filósofo, que proporciona a essência metafísica elementar: a vontade da vida.
por Vilmar Debona*

Podemos dizer que o filósofo Arthur Schopenhauer, nascido em Dantzig (em 1788) e falecido em Frankfurt (em 1860), marcou a História da Filosofia no Ocidente, principalmente por ter valorizado um elemento novo nas discussões filosóficas: a noção de corpo. Nos tempos em que Schopenhauer viveu, as filosofias de Hegel e de Schelling predominavam e se apoiavam somente no aspecto racional do homem . Para Schopenhauer, em vez de a razão definir o homem e "decifrar o enigma do mundo", são o corpo e o sentimento, o que ele chama de vontade, que permitem alcançar e dizer o sentido das coisas. A vontade é o que há de mais essencial no mundo; ela se manifesta em toda a natureza e nos corpos animais, independentemente de serem eles possuidores ou não da faculdade de razão. Todos os corpos do mundo fenomênico são considerados, nessa filosofia, como concretização de um mesmo querer que nunca cessa. A objetivação da vontade não escolhe se vai se manifestar no homem mais inteligente ou numa pedra. Desse modo, em se tratando de espécies, a diferença entre os seres humanos e os demais animais é quase insignificante, visto que tanto o homem quanto o animal têm por base uma mesma essência metafísica, a vontade de vida.

Além disso, o que faz com que a atenção dada por Schopenhauer ao corpo seja vista como determinante é o papel indispensável que este elemento tem na teoria do conhecimento do pensador. Ele acredita que a base da formação do nosso conhecimento racional não é racional, já que começa com as sensações corporais. O que o filósofo chama de representações empíricas só existem porque, anteriormente, o corpo informou dados dos objetos e sensações abafadas ao entendimento que organiza as representações. Nesse contexto, é importante levar em conta que o entendimento também faz parte do corpo do sujeito, já que é entendido como um órgão físico ou o próprio cérebro. Assim, em vez da racionalidade, como se fosse uma rainha do mundo, definir sozinha o conhecimento, ela se torna dependente dos dados corporais; só a partir desses dados a razão pode fazer algo.

Resumidamente, segundo Schopenhauer, ocorre o seguinte: por meio das afecções do corpo, o indivíduo enraíza-se no mundo e passa a intuí-lo pelo entendimento, gerando, assim, o conhecimento. Com efeito, se o indivíduo é sujeito do conhecimento, ele é também corpo . Assim, inserida no campo da discussão da cognoscibilidade humana, a noção de corpo concebida pelo pensador apresenta-se como determinante. Não mais se corre o risco da admissão de uma "cabeça de anjo alada" designando a mente do homem totalmente alheia a seu corpo, algo possível quando se considera apenas o domínio da abstração sem uma base corpórea.

Nesse sentido, se a fim de sustentar a sua teoria do conhecimento, Descartes tomou o cogito como determinante, estabelecendo a dualidade corpo/alma e o primado da res pensante sobre a res extensa; Schopenhauer, em vez de delimitar corpo e alma, une corpo e intelecto. Tanto o corpo quanto o intelecto são expressões de um mesmo em-si, que, acima de tudo, expressam algo que o pensamento e os conceitos não alcançam, a própria vontade.

O ponto de partida do conhecimento
A questão pode ser mais bem detalhada quando consideramos que o corpo é tomado pelo filósofo sob duas perspectivas. Uma que o considera como objeto imediato e outra que o vê como objeto mediato. Nesse sentido, "o entendimento nunca seria usado, caso não houvesse algo a mais, de onde ele partisse. E este algo consiste tão-somente nas sensações dos sentidos, a consciência imediata das mudanças do corpo, em virtude da qual este é objeto imediato."

Além disso, Schopenhauer salienta que o corpo é a representação que constitui para o sujeito o ponto de partida para o conhecimento. O corpo é, pois, objeto imediato na medida em que é um mero conjunto de sensações dos sentidos que advêm da ação dos outros corpos sobre si. Nesse primeiro aspecto, o corpo designa propriamente a vontade porque cada ato de vontade corresponde a um movimento corporal; e, então, ele passa a ser - além de condição de possibilidade do conhecer - a chave para se descobrir ou se decifrar o "enigma do mundo". Contudo, esse mesmo corpo pode fornecer dados dele mesmo, na medida, por exemplo, em que os olhos veem suas partes e as mãos o podem tocar. Assim é que o corpo passa a ser, tal como os outros, objeto mediato, portanto, conhecido como representação na intuição do entendimento. Para que esse conhecimento ocorra é necessária, através do uso da lei da causalidade, a ação de uma de suas partes sobre as outras.

O autor faz uma ressalva quando toma o corpo como objeto imediato. O corpo não se dá propriamente como objeto por um motivo claro: é que Schopenhauer não o considera de um ponto de vista unilateral, ou seja, tão somente do ponto de vista do mundo como representação, o que justificava designá-lo como objeto, mas, além disso, passa a considerá-lo também a partir do mundo como vontade. De fato, principalmente a partir do Livro II de O Mundo como Vontade e como Representação, ações do corpo e atos da vontade passam a se identificar e, em razão disso, o corpo é também visto como Objeto da Vontade (Objektität des Willens). Assim é que o objeto imediato passa a ser visto por si mesmo e, mais ainda, esse outro modo de conhecimento passa a se distinguir do que é comum à representação. Com isso, a certa altura já não se tem mais tão-somente "sensações dos sentidos", ou seja, um mero meio para algo outro, mas a realidade externa. Esse mesmo meio passa a se definir como objeto e a sua figura corporal começa a ser desenhada, estando ela dotada de especificidades.

Edifício das construções racionais
Assim, o corpo, além de revelar a Vontade e ser objeto imediato, torna-se mais um objeto passível de conhecimento. É então que seus próprios membros podem se conhecer; uma mão vista ou um olho tocado e, ambos, situados espacialmente, tornam-se objetos mediatos, muito embora sejam eles também, na medida em que a mão ajuda na construção de outros objetos e o olho vê, objetos imediatos. Vê-se, pois, o motivo pelo qual, caso não houvesse a atuação do entendimento - um membro corporal determinante para a construção do conhecimento - não haveria também um mundo externo. Uma sensação por si mesma seria uma "coisa pobre", mera afecção dos sentidos. Enquanto tal, essas sensações não poderiam conter nada de objetivo, portanto, nada que se assemelhasse a uma intuição.

Desse modo, a realidade exterior a cada sujeito do conhecimento é um produto do entendimento, esse artesão que se serve das formas do princípio de razão e dos dados possibilitados pelo corpo e, com isso, oferece as representações intuitivas que se entrelaçam, formando a exterioridade. Por isso, o mundo efetivo não é um dependente da razão. Ao contrário, em vez de a razão oferecer algo, é o entendimento que, com as suas intuições empíricas possibilitadas pelo corpo, apresentase como a base do edifício das construções racionais e do conhecimento humano.

Ora, se a tarefa por excelência da filosofia é acercar-se de conceitos e com eles dar sentido ao mundo, Schopenhauer acolhe e destaca o que em essência é o avesso da abstração conceitual. Com isso, o perigo iminente da dispersão abstracionista diminui, já que os conceitos têm uma referência in concreto na realidade exterior; o pensamento provém do não pensado e, portanto, não toma este último como algo que não mereça atenção. Eis, pois, um elogio significativo ao corpo no interior da filosofia e - por que não - uma filosofia fincada no corpo.






A Fonte da Donzela (1960)

Pássaro que voa acha comida.
Pássaro que fica parado, morre.


Não foi um dos meus filmes preferidos de Bergman, mas mesmo assim, valeu. Como o previsto, trata de questões religiosas, apegos, valores, rancor e compaixão. É como se tudo na vida fosse causado por uma vontade divina. Se é assim, como responder ao horror com o mesmo ódio? Dar o troco, na mesma moeda, corresponde a um drama perpétuo. Enquanto aquele que é mau (por natureza) tem seu sono tranquilo; o outro - o vingador, paga com a culpa eterna (por que é bom).   Na Suécia do século XIV, Töre e sua mulher Märeta formam um casal que tem uma propriedade rural.  Cristãos fervorosos, incumbem sua filha única, Karin, uma bela adolescente virgem, de quinze anos, de levar velas à igreja do vilarejo próximo e acendê-las em louvor à Virgem Maria.
Com licença da mãe, ela veste seu mais valioso vestido e parte, a cavalo, através de uma floresta, para realizar a missão a ela confiada.  Acompanhando-a, segue ao seu lado, Ingeri, uma criada tida como filha adotiva do casal Töre, que se esta grávida (segundo ela, foi forçada a isso). Ingeri é rancorosa, vê na sua má sorte um desprezo pela vida (e por Karin). A donzela, que é reflexo de toda uma pureza que vai além de qualquer personagem atuante.
No caminho, ao passarem por um culto de magia, Ingeri diz à Karin que vai voltar, por achar que anoitecerá antes que elas consigam chegar à igreja.  Decidida a atender ao pedido dos pais, Karin segue em frente sozinha.  Enquanto isso, movida por um enorme ciúme que sente da jovem, Ingeri participa de um ritual do culto a Odin, com a intenção de que algo de mal ocorra à Karin.  Em seguida, passa a acompanhá-la, mantendo uma certa distância da jovem.
Ao encontrar dois pastores de cabras e um garoto, Karin os convida para dividir uma refeição que sua mãe havia preparado para ela.  Em seguida, é agredida sexualmente pelos dois homens, os quais, após estuprá-la, a matam com um porrete.  Ingeri apenas assiste a tudo.
Quando a noite cai, ironicamente os criminosos vão pedir comida e abrigo aos pais de Karin.  São recebidos cordialmente e, depois de acomodá-los, Töre lhes promete trabalho.  Märeta mostra-se nervosa, pois a filha ainda não retornou da igreja, mas o marido tenta tranqüilizá-la dizendo-lhe que em outras ocasiões Karin dormiu no lugarejo.Durante a noite, o irmão mais jovem não consegue jantar e seus sonhos são atordoantes. Eis então, que o garoto olha para o fogo e surge em sua mente a realidade.
Um homem demonstrando piedade lhe diz:"Veja como é a fumaça, tremula pelo teto...como se estivesse com medo.Mas ela só precisa do ar...e lá fora, ela tem todo o espaço para si.Mas ela não sabe disso...por isso fica aqui, trêmula, pressa sob o telhado.Acontece o mesmo com o homem.Ele treme como uma folha ao vento...pelas coisas que sabe e que não sabe.Você tem que atravessar sobre um tronco fino. Tão fino, que não saberá onde se segurar pra não cair.Sob você, há um rio...um rio negro que quer engolir você.Mas você sai ileso.Agora há uma vala à sua frente...tão profunda que não consegue ver o fundo.
Mãos se estendem para você, mas não conseguem alcançá-lo.
Finalmente, você se vê diante de uma montanha de horror. Ela cospe um fogo ardente... e um buraco assustador se abre. Chamas de todas as cores saem dele - cobre, ferro... azul vitríolo e amarelo-esverdeado. Raios saem das chamas que cegam e correm as rochas... e homens parecem indefesos como formigas. Esta fornalha... devora assassinos e estupradores. Quando você acha que está perdido uma mão o agarra... e um braço o abraça e o leva para longe... onde o mal não terá mais poder sobre você".
O temor da mãe se concretiza quando um dos pastores, sem imaginar onde se encontram, tenta vender, à Märeta, um vestido que alega ter sido de uma irmã dele. Ela reconhece o vestido de sua filha e, controlando-se, promete-lhe friamente pensar no assunto e falar com o marido. Ao falar com Töre, os dois têm certeza do triste destino da filha, pois a peça acha-se suja de sangue.
Ao encontrar-se com Ingeri, Töre toma conhecimento dos detalhes do brutal ataque sofrido pela filha, que a levou à morte.  A jovem pede-lhe perdão por se sentir culpada pelo ocorrido à Karin.  Movido por um forte sentimento de vingança, Töre mata os dois criminosos e o menino.
Na manhã seguinte, guiados por Ingeri, todos seguem até o local onde se encontra o corpo de Karin.  Enquanto Märeta abraça-se ao corpo da filha, Töre, em sua crise de desespero, interroga Deus sobre os motivos que o levaram a permitir tamanha tragédia.  A seguir, entretanto, ele implora seu perdão por seus pecados e promete construir, com suas próprias mãos, uma igreja no local, em penitência por sua vingança sanguinária (especialmente pela morte do pequeno menino inocente).
Ao retirarem o corpo de Karin, surge milagrosamente uma fonte de água exatamente no local onde o mesmo se encontrava.Uma lenda medieval sueca inspirou a fábula "A Filha de Töre em Vangé".  "A Fonte  da Donzela", por sua vez, foi baseada nessa fábula.  Realizado pelo grande mestre do cinema sueco, Ingmar Bergman, sua trama gira em torno de uma jovem adolescente e virgem que, ao ser estuprada e morta, faz surgir milagrosamente uma fonte de água no local do crime.
Soberbamente fotografado em preto-e-branco por Sven Nykvist, parceiro de Bergman em inúmeros filmes, esta magnífica produção carrega consigo uma mensagem de fé e esperança do homem, mesmo depois de passar por uma enorme tragédia.




Filosofando

O que vale a pena viver


                                                                   Fotografia: LisianeCK

Revendo artigos armazenados por algum motivo especial, me deparei com este, que hoje trouxe um significado ainda mais importante para mim. Espero que ele também possa fazer com que outras pessoas pensem sobre o assunto e que sejam mais atentas a construção de sua própria felicidade.

A medicina sempre se esforçou – e a ciência moderna tem conseguido – que vivamos mais.

Se apenas o tempo contasse, concluiríamos que todos os muito velhos foram modelos de felicidade, mas, infelizmente, esta equação não é tão simples e seguramente viver bem é mais importante que viver muito.

Este famoso conto da sabedoria árabe ilustra isso com genialidade.

Um homem inquieto conhecido como “O Buscador”, ouvira falar das belezas de Kammir, uma cidade do outro lado da fronteira, e decidiu conhecê-la. Depois de dois dias de marcha por caminhos pedregosos, divisou-a ao longe. Quando subia a colina em direção à cidade, exausto que estava, foi tomado de encantos por um lindo parque com árvores, flores e pássaros, muitos pássaros. Resolveu descansar um pouco naquele lugar.

Recostado numa árvore, percebeu que, ali no chão, havia uma placa, que dizia: “Abdul Tareg, viveu quatro anos, seis meses e três dias”. O homem se estremeceu ao perceber que aquela era uma lápide e sentiu pena ao pensar que a pobre criança vivera tão pouco. Foi quando percebeu que logo adiante havia outra placa que dizia: “Yamir Kalib, viveu cinco anos, oito meses e três semanas”.

Comocionado ao descobrir que aquele lindo lugar era um cemitério, passou a ler todas as placas, e, quando descobriu que quem havia vivido mais tempo mal ultrapassara os 11 anos, foi tomado de uma dor terrível. Sentou, e chorou.

Um velho zelador do cemitério, que passava por ali, não resistiu e perguntou:

“Por que chora, algum parente seu?”

“Não, não tenho nenhum parente neste lugar, mas queria saber que maldição há por aqui que os obrigou a construir um cemitério só para crianças?”

O velho riu, debochado, e explicou:

“Não há nenhuma maldição, o que temos aqui é uma tradição: quando fazemos quinze anos, nossos pais nos dão um caderno de couro como este que trago aqui pendurado no meu pescoço, vê? Quando nos acontece uma coisa boa, abrimos o caderninho e anotamos à esquerda, o ocorrido, e à direita, o tempo que durou o prazer que nos causou.

O primeiro beijo, quanto durou a emoção do primeiro beijo? O minuto e meio do beijo? Uma hora? Uma semana?

E o primeiro amor, por quanto tempo persistiu o indescritível encanto do primeiro amor?

E a empolgação do nascimento do primeiro filho?

E a viagem ao país distante?

E a volta do amigo querido?

Para cada um desses acontecimentos, anotamos o ocorrido e o tempo do desfrutado, por que, quando morremos, nossos amigos tomam nosso livreto, somam todos os momentos felizes e escrevem sobre nossas tumbas.

Porque, para nós, esse é o único e verdadeiro tempo vivido”.
J.J.Camargo – 11/08/2012


Hora, sabemos da extensa quantidade de textos que nos dizem pra relaxar e apresentam métodos de como viver melhor. Não acredito em fórmulas universais. Apesar dos males diversos, como a depressão, atingir a muitos, cada pessoa tem um papel fundamental na criação de sua própria realidade.

Fazer algo que dá prazer é realmente essencial para o bem estar. Obviamente, cada indivíduo admira determinadas facetas que lhes são únicas. Mas, nesse caderninho especial, não conta a repetição. Até mesmo os atos felizes são finitos. Não é atoa que aqueles que gostam de crianças, na sua maioria, tem mais de um filho. Ou quem gosta de viajar, faz uma única excursão. A novidade é algo muito importante para o pensamento. Foram raras as vezes que provei do mesmo prato e o segundo foi o mais saboroso. Ou ir no mesmo lugar. Ah, como é bom inaugurar aquela aquisição que você vislumbra pela primeira vez.

Mas, infelizmente, acomodação é uma grande vilã. Quando não criamos no nosso dia a dia, quem toma conta dos pensamentos, em grande parte, são as más recordações. O fulano que disse isso, a notícia desagradável, o restaurante cheio, a vendedora chata, o trânsito parado, o trabalho a terminar... As obrigações cotidianas deixam a vida sem graça – por mais que ela seja boa. Quebrar o círculo vicioso é uma atitude que pode enriquecer uma vida.

É da condição humana sua brevidade, então... , estar atento a esse restrito período de tempo sob a luz, é uma dádiva que só cabe a nós a responsabilidade.

Nietzsche, em Assim falava Zaratustra, lança um desafio a todos nós, ao sustentar a tão já mencionada lei do eterno retorno.

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vires agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequencia – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.

A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!”

Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim?

Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse”.

O que se destaca nessa vontade filosófica é a superação – a fuga das preocupações triviais.

Crie o destino que você possa amar.

O que somos? É apenas o que somos que verdadeiramente importa. Uma boa consciência, diz Schopenhauer, significa mais do que uma boa reputação. Nossa maior meta deve ser a boa saúde e a riqueza intelectual , que levam a uma fonte inesgotável de idéias, à independência e a vida moral. A tranquilidade interna advém da sabedoria “de que não são as coisas que nos perturbam, e sim a nossa interpretação das coisas”.

Lavores



Escolhi um destino que estivesse a minha altura
Rumei ao sul
Depois ao centro
Conheci os nortes
Vi poeira, simplicidade e afago
Fogueira, fagulhas e fumaça
Depois prédios, burocracia e nevoeiros

Lá fora, arbustos cresciam viçosos
Gafanhotos tocavam
Sapos eram os clássicos na lagoa
E os vagalumes - o maior show noturno

E todos profetizavam...

Vi ventos fortes
Tempestades
Raios
Trovões
Relâmpagos

Tive medo
Conforto

E todos profetizavam...

Vi céu azul
Grama verde
Árvores frutíferas
Terra vermelha
Cerros de pedras
E uma explosão de estrelas

E todos ...

Vi simplicidade
Vi uma menina crescer
E depois não se reconhecer

Vi gente
de todos os gostos
tipos e
profissões

rico
pobre
moribundo

Vi a cerca sendo feita
A formiga devorando a plantação
O milho crescendo
e brinquei em seus cabelos

Vi o gira-sol
e outras flores

Pitangueira
Pessegueiro
Parreira
Limoeiro
Laranjeira
Amexeira
Abacateiro
Macieira
Pereira

Tudo eu vi lá

Funcho
Alecrim
Alfazema
Erva-doce
Erva-cidreira
Cebolinha
Salsinha
Guaco

Alho
Cebola
Feijão
Arroz
Milho
Soja
Mandioca
Melão
Melancia
Abobrinha
Brócolis
Couve-flor
Tomate
Rúcula
Alface
Couve
Radite

Tudo eu vi lá

Ovos
Leite 
Mel...

Vi vaca
cavalo
porco
ovelha
galinha
galo
garnisé
seriema
gato
cachorro
camundongo
preá
pulga
lambari
cascudo
piranha
carpa
traíra
mosca
mosquito
tartaruga
borboleta
abelha
carrapato
mutuca
pulga
cobra
escorpião
lagarto
lebre
gambá
paca
e tamanduá

Tudo isso eu já vi lá

E sempre senti que pereceria...
Tudo fez e faz parte do fim inexorável
Então
Peguei meu destino 
amarrei-o ao pescoço
e corri...
Pois tudo que era pra ver lá, 

Eu já vi

E agora que cheguei ao futuro
Há uma possibilidade experiencial
E aqui ficarei
Tão reta como uma pincelada na tela virgem
Como tudo o que escolhi
e que posso ter a sorte de citar
Não penso em imortalidade
E nem mesmo na solidão -
na média, ela vem quando estamos acompanhados.

Doei parte de minha vida a esta linha, a esta agulha veloz, forte e autêntica (como Arseni)
porém eu sei - "Eu já vi" - que a pétala é tão frágil que ao menor contato pode se romper. 
Quero estar longe nesse momento - daqui pra frente só vou avaliar o que é bom pra nós.
Digo isso, em comunhão com esse novelo de tantas linhas; mesmo que vez ou outra, tecituras diversas venham retirar a pluma de nosso tão caro edredon.

Artinha...





E assim começa a história da moça mulher.
Minhas mãos estão grossas. O polegar direito exibe um inchaço causado pelo esteco. As esculturas também estão lá.
Agora, dormem.
Aguardam o tempo...


Logo, estarão secas.


Queimam. E voltam. Mais fortes.


Depois, coloco a cor.


Olho os detalhes.


E mais uma vez, vem o tempo da secagem.


Pronto.


São dois olhos a percorrer os lugares - os meus - ou são olhos outros?


Já não sei a diferença.


Aonde colocá-la?


Essa casa já parece um queijo suiço!


A parede está tranquila.


Estranhamente ela não parece lamentar a solidão.


Mas aqueles olhos famintos logo encontraram um espaço possível.


A parede não se alimenta mais de quadros - quer mais.


Ou não.


Mas que seja grande.


Distinto.


Que valha a presença...


Será um fim?


Ou um início?


Porquê dessa insatisfação com uma arte que não se sabe insatisfeita?

Nostalghia





Andrei Tarkovsky.
Itália/URSS - 1983.

Não é um filme fácil. Exige atenção ao observar a quantidade de detalhes. Há que escutar as palavras enigmáticas dos personagens como se fossem setas de um caminho.
Como os demais filmes de Tarkovski, este exige contemplação, calma, ausência de pensamentos inoportunos.
Meu primeiro contato com este escritor-diretor foi na Biblioteca de Artes quando conheci seu livro "Esculpir o tempo" - que já diz tudo sobre seus longas. Que alegria ler essa aproximação: ESCULPIR O TEMPO. Foi este livro o primeiro botão a surgir no meu jardim - ou o primeiro torão que tropecei à esquerda da estrada.
Esculpir o tempo. A matéria. A energia. O ser. Tudo. Pensar sobre essas relações não é fugir da vida - devanear. Ao contrário. Como é bom perceber o tempo...
Estar atento a este instante. Fragmentos. Segundos...
Esculpir o tempo é fazer o que acredita ser o melhor, não importa a matéria prima.
     
Nostalghia e Tempo di Viaggio foram os dois últimos filmes realizados por Tarkovsky (ou Tarkovski) antes de sua fuga da União Soviética. Sua obra foi proibida e morreu exilado - longe da terra que tanto amava. Apenas pelo título já dá pra perceber o quando arte e vida se confundem perante à exposição pública.

O mais interessante no trabalho de Tarkovsky é o olhar atento ao ser humano, ao embrião desnudo - o dentro, a essência das construções que formam um pensar. Ele nos leva a contemplar a natureza no pormenor, a explorar o divino que cerca a vida como um todo.

No filme em questão, temos como personagem principal Andrei Gorchakov, um poeta russo que viaja à Itália para escrever uma biografia de um músico russo que esteve na região durante o século XVII.
Acompanha-o Eugenia, sua tradutora.

No início, vemos apenas a bela Eugenia e Andrei que atravessam a Itália até chegar a um pequeno povoado logo ao Sul. O alvo é visitar a Madre Santa e o vilarejo onde esteve Sosnovsky (o músico). Uma bruma toma conta de toda a paisagem. Ao pararem o carro, Eugenia corre até o Mosteiro. O padre logo lhe pergunta o motivo de sua presença. Para ele, as mulheres vão até aquele lugar pra orar e pedir por filhos. Mas não. Eugenia diz estar ali apenas por curiosidade. Então o pastor responde que ela está sendo egoísta, que todos querem algo e ela quer ser feliz. Mas há coisas mais importantes, na visão do pároco, do que ser feliz - é ter filhos, criá-los com paciência e sacrifício.

Eugenia vai embora. No caminho, pergunta ao companheiro porque ele não quis entrar. Não é do meu interesse, diz ele. 
Já na pousada, Eugenia lê poesias de Arseni Tarkovski - uma tradução (não no seu original Russo). Para Andrei, a poesia é intraduzível - assim como toda a arte.

Nesse instante do filme, Eugenia apenas diz que está lendo Arseni, mas não especifica o tema. Na minha opinião, após ler algumas traduções, trata-se desta:

[... ]
"Estou em paz e triste; há um lampejo em meus suspiros,
Meus suspiros são todos teus,
Teus, e de mais ninguém... 
Minha melancolia
Está insensível a angústias e apreensões,
E meu coração arde e ama mais uma vez,
Pois nada pode fazer além de amar.
Todo instante que passávamos juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
No mundo inteiro, nós os dois sozinhos.
Eras mais audaciosa, mais leve que a asa de um pássaro,
Estonteante como uma vertigem, corrias escada abaixo
Dois degraus por vez, e me conduzias
Por entre lilases úmidos, até teu domínio
No outro lado, para além do espelho.
Enquanto isso o destino seguia nossos passos
Como um louco de navalha na mão".

Dois motivos me levaram a essa possibilidade. Um, Eugenia estava apaixonada pelo taciturno Andrei. Dois, após sair da sala, ela segura o vestido e ensaia uma brincadeira no corredor, sorri e sobe as escadas correndo - dois degraus por vez. Além disso, espelhos e umidade fazem parte de todo o filme - além das incontáveis portas. Arcos. Túneis.

Escolhas, escolhas, escolhas...

Há cenas de passagem lenta. O foco está na minúcia dos detalhes. Os sons naturais são intensificados. O barulho da água, os passos no assoalho, o vento, até o acender de uma lâmpada ganha um ruído fora do comum.

Andrei é tomado por melancolia, a forte chuva acentua a solidão. Deita-se na cama de qualquer forma, tem pesadelos. Um cão (que aparece - e desde então segue todo o filme) surge e o conforta.

Na pousada tem uma piscina com águas termais. Um grupo toma banho. Sempre há uma bruma. Andrei fala com o cão [mais ou menos assim - transcrevo o que lembro dos diálogos]:
- Sabe porque todas essas pessoas estão lá dentro?
- Querem viver eternamente.
- Olha-os! Olha-os!
É então que aparece nosso segundo personagem - Domenico.
E a cena segue com uma interessante abordagem.
Domenico sai na piscina, vê Eugenia e diz:
- "Senhorita!
- Eu não fumo, mas pode dar-me um cigarro?"
Ela:
- "Sim, é claro, se não fumas..." [ela também não fumava]
Visto no lugar como um lunático, ninguém dá atenção ao velho Domenico. Apenas Andrei vê seu interesse despertado. "Imagina, um homem que trancou por sete anos sua família dentro de sua própria casa! Será por isso sua loucura? Sua solidão?"
Domenico diz após apontar para o céu:

"Tu eras o que não és. Mas eu sou o que és".
 (Foi o que Deus disse a Santa Catarina).

Na seguinte conversa com a tradutora, Andrei diz:
- "O que é a loucura?
- São problemáticos? Inconvenientes?
- Pensamos poder entendê-los.
- Estão sós!
- Mas certamente estão mais próximos da verdade.
- Minha vida é normal, não há nada de interessante em um escritor russo".

Há uma mescla entre os personagens de Andrei e Domenico. Andrei sonha com a história de Domenico, como se fosse a dele - na velhice.

Na parede está gravado: 1+1 = 1

Goteiras e mais goteiras. Garrafas de todos os tamanhos e cores tentam aparar a água. Inútil. O salão, onde mora Domenico é tão grande e cheio de enigmas que nos levam a uma metáfora acerca do dentro e fora. Observando o interior da "casa" de Domenico o que tem maior realce é a cama - o único lugar aparentemente seco (mas há uma bolha de água logo acima prestes a romper). Logo após, seguindo Andrei, na metade do caminho - ainda no interior - há uma parede demolida. Tudo está ao chão, mas entre todo o espaço em aberto, Domenico segue a Andrei através da porta - a única estrutura que se encontra em pé. O que isso mostra? A escolha do caminho único que se poderia seguir? Vemos que ele escolheu o mais difícil. Porque abrir a porta e seguir a Andrei quando todo o restante do espaço está sem obstáculo algum?
É muito fantástico tudo isso.
Será que Gorchakov, Domenico e Tarkovski eram as mesmas pessoas? São claras as relações. Diferente de escritores que podem criar histórias totalmente adversas à experiência, Tarkovski cria personagens que habitam em sua própria mente. Domenico que manteve sua família reclusa, é como Tarkovski que obrigou a família ao exílio por conta de sua obra. Gorchakov é o escritor, assim como foi Tarkovski - "Necessitamos de ideias grandes!"
- "Eu era egoísta, gostaria de salvar a minha família. Todos devem ser salvos no mundo."

O final é lindo. O jogo das luzes que atuam em caminhos adversos - aquele que se salva pela chama da fé (do divino) e aquele que acende fogo em seu próprio corpo. Esculturas estáticas de humanos acompanham tudo como se estivessem dentro de uma cena teatral - indiferentes.
Exemplos manifestam a adversidade: uma mulher passa batom no espelho (em total descaso) enquanto o homem pega fogo. Um louco aos pés do cavalo em bronze, reproduz a dor da morte - e brinca tal qual um intérprete teatral.
Apenas o cão, foi o único a manifestar-se perante ao angustiante e intenso final.



"No hay caminos, hay que caminar"
Andrei Tarkovski (1987)















Curta Mexicano


A ciência tenta construir um mundo que permaneça invariável às intenções e conflitos humanos (...)
No entanto, o humanista ocupa-se, principalmente, do mundo e das mudanças que experimenta (...)
Talvez seja por este motivo que os tiranos odeiam ou temem tanto
os poetas, os novelistas, historiadores e filósofos.
Jerome Bruner




O curta "La leche y el agua", dirigido por Celso García, é um forte exemplo das relações entre ficção e realidade.
Uma senhora já bastante idosa mora sozinha em uma terra árida. Seu cotidiano gira em torno de duas ações. Por um lado, a atenção com sua única vaca - o leite, que usa como alimento e também como oferenda ao marido já morto. De outro, a espera pela chuva.
Fluídos tão necessários nesse caso, como as construções mentais de nossa personagem. O que chama mais atenção é a simplicidade dessa existência e como a vida é frágil e dependente. A solidão e a espera. O imaginário e o misticismo. São duetos que cercam os doze minutos que poderiam resumir doze anos de repetição - dia após dia.
A realidade e a fantasia são os grandes produtores de sentido. Comédia de situações efêmeras.
No final, o cansaço e a falta de esperança resultam na ação significativa. É a impressão sensível de um fragmento de tempo e espaço que gera o derradeiro sentido de vida. Nesse caso, duas necessidades e uma anula a outra.
Essa história configura o que é recorrente em qualquer personagem - é a natureza da psique humana que constrói o imaginário.
O que parece ser óbvio cria fissuras notáveis quando deslocamos o ser de seu meio.
Nosso maior laboratório está nesse pedacinho de mundo em que nos encontramos.
Não podemos compreender os sonhos nem mesmo aquele que sonhou - acredito que Freud pense o oposto. Entretanto, em toda narrativa somando-se meios e fins, extraímos a essência daquilo que nos querem comunicar. E isso basta por hora.

Ímpar

Bem impactante o denodo do escultor Jason deCaires Taylor.
Apesar das formas geradas a partir de moldes em humanos, o destaque fica para o deslocamento. A escolha das expressões e as situações criadas são bem singulares. O que mais gostei no trabalho foi a transformação provocada pelo tempo. As máscaras de cores e as novas feições oferecem as esculturas toda uma outra aura.  










Dancer in the dark




Um filme de Lars von Trier, 2000
É um grande drama. Apesar da comovente história, o musical nos mostra que um fato inesperado pode ter seu efeito amenizado quando a arte faz parte da construção.   
Selma Jezkova (Björk) é mãe-solteira tcheca que foi morar nos Estados Unidos. Ela tem uma doença hereditária que a faz perder a visão, algo que também deverá acontecer um dia a seu filho Gene (Vladan Kostig), um garoto de doze anos. Entretanto, sabendo que existem médicos nos Estados Unidos que podem operar Gene ela parte com a resolução de salvar o filho de seu destino. Trabalhando duro, guarda tudo o que ganha para a cirurgia. Bill (David Morse) e Linda (Cara Seymour), seus vizinhos, juntamente com Kathy (Catherine Deneuve), uma colega de fábrica, a ajudam no que é possível, mas quando Bill se vê em dificuldades financeiras rouba o dinheiro que Selma tinha economizado duramente. Este roubo é o ponto de partida para trágicos acontecimentos.
Selma é encantadora, terna. Trabalha o dia inteiro numa fábrica de peças, cuida do filho, e ainda faz teatro durante a noite. Apaixonada por música. Os mais variados sons transformam-se em realidade musical em seus sonhos.
É notável a amizade de Kathy "Cvalda" tirando Selma de devaneios perigosos que a colocam em risco no trabalho.
Muitas vezes o musical entra em cena de imediato, criando um certo desconforto, mas é preciso compreender que tudo são construções mentais de Selma. Segundo ela, nas situações difíceis é que surgem essas fugas que a fazem revigorar. 
A distinta forma de filmagem (assim como nos demais filmes desse diretor) deixa uma sensação de proximidade. É como assistir a uma antiga fita de família. 
Fortes memórias de uma vida apaixonada capaz de tudo para proteger o filho, a amizade e uma promessa. 
Selma manteve a palavra mesmo sabendo que a morte a esperava. Mas no fim, o que fica, é a beleza e a distinção de alguém que foi forte o suficiente pra manter uma decisão até o fim.
A paixão de Jeff por Selma é de arrepiar. Mesmo sendo rejeitado, Jeff faz tudo para ajudá-la e ficar sempre por perto. 
Bárbaro.
Tudo isso alcança maior destaque quando sabemos que toda trilha do filme foi criada por Björk (que além da linda voz, mostrou também muita competência como atriz).
Outros filmes igualmente desconcertantes de Lars von Trier  já bem conhecidos são Melancholia e Dogville.   

I've seen it all
Musical entre Selma e Jeff:

Eu Já Vi de Tudo
Eu já vi de tudo, eu já vi as árvores
Eu já vi as folhas de salgueiro dançando ao vento
Eu já vi um homem ser morto pelo seu melhor amigo
E vidas que acabaram antes mesmo de começar
Eu já vi o que fui e já sei o que serei
Eu já vi de tudo, não há mais nada para ver

Você não viu elefantes, reis nem o Peru
Fico feliz em dizer que tinha coisas melhores a fazer
E a China? Você já viu a Grande Muralha?
Toda parede é boa se não deixa o telhado cair

E o homem com quem casará?
A casa onde irão viver?
Pra ser franca, eu não me importo

Você nunca foi às cataratas do Niágara?
Eu já vi água. É água, só isso.
A Torre Eiffel, o Empire State?
Meu pulso estava igualmente alto no meu primeiro encontro
A mão do seu neto enquanto ele brinca com seu cabelo?
Pra ser franca, eu não me importo

Eu já vi de tudo, eu já vi a escuridão
Eu já vi o brilho de uma pequena faísca
Eu já vi o que eu optei por ver e já vi o que precisava
Isso é o suficiente, querer mais seria ganância
Eu já vi o que fui e já sei o que serei
Eu já vi de tudo, não há nada mais para ver

Você já viu de tudo, e de tudo você já viu
Você pode rever na sua própria telinha
O claro e o escuro, o grande e o pequeno
Tenha em vista que você não precisa de mais nada
Você viu o que foi e já sabe o que será
Você já viu de tudo, não há mais nada para ver.





O homem sem qualidades

A realidade toma várias formas, dependendo do pensamento e do estado de espírito. 



Hoje novamente estas palavras passaram a se repetir em minha mente - o homem sem qualidades. Acho o título fantástico e se tornou tão marcante como uma propaganda comercial. Já faz algum tempo que escutei o comentário de um professor de psicologia sobre o tema, mas sempre acabo esquecendo de procurá-lo.
São incríveis esses livros recheados de diálogos e dissertações filosóficas. Algumas vezes temos que reler um trecho ou uma página inteira, mas é aí que está a delícia do encontro. Um texto leve é um bom companheiro na praia. Assim como nos filmes e na vida - são as personalidades fortes que marcam e que valem a ocupação.
Parece que Kundera também gostava de Musil.

Se existe um investimento - livros.
Há tantas publicações que ficamos em dúvida do que escolher. Buscamos a opinião de outros; daqueles que se deixam desnudar pelas letras.
Oh! Tempinho esse que corre com as calças erguidas! Aos pulos, como se desviasse de poças de lodo.
O mínimo se torna imenso - ainda mais quando se mostra apenas o que a maioria vê. Não. Há outros. Só vale a pena o tempo bem gasto. De resto, estecos e pincéis.

Resumo de Marcelo Backes
Em agosto de 1913, momento em que a ação do romance principia, Ulrich - o homem sem qualidades - tem 32 anos. Ele faz três grandes tentativas de se tornar um homem importante. A primeira delas é na condição de oficial, a segunda no papel de engenheiro (vide a carreira do próprio Musil) e a terceira como matemático, exatamente as três profissões dominantes - e mais características - do século 20. Os três ofícios são essencialmente masculinos e revelam o semblante de uma época regida pelo militarismo, pela técnica e pelo cálculo que, juntos, acabariam desmascarando o imenso potencial autodestrutivo da humanidade. Depois das três grandes tentativas, Ulrich reconhece que o possível significa, para ele, muito mais do que o real, sempre estereotipado, medíocre e esquemático.

Ulrich - cujo sobrenome é omitido "em consideração a seu pai" -, chegou a se chamar Aquiles, mais tarde Anders (o diferente), e mesmo o título do romance de Musil mudou várias vezes antes da publicação, passando de O espião a O salvador (Der Erlöser) e As gêmeas, títulos que assim como aquele que acabou se impondo dizem muito sobre o romance. O relato acerca da busca "desencantada" de Ulrich lembra a velha busca - ainda sagrada - do Santo Graal. Ulrich quer compreender o "motivo e o mecanismo secreto" de uma realidade que desmorona e para isso se retira à passividade de uma postura apenas contemplativa, que marca também a postura do autor e a postura do romance.


Ulrich se sente um homem sem qualidades porque o mundo contemporâneo inverteu os princípios do humanismo e colocou a matéria no centro da realidade moderna. Na verdade, Ulrich via em si todas as qualidades e capacidades privilegiadas por sua época - exceto a de ganhar dinheiro, da qual também não necessitava -, mas foi obrigado a constatar que a possibilidade de aplicá-las já havia lhe escapado às mãos. "Surgiu um mundo de qualidades sem homem, de vivências sem aquele que as vive" e, assim, o personagem se vê confrontado com as contradições centrais do universo contemporâneo: a luta entre causalidade e analogia, entre crença na ciência e pessimismo cultural, entre lógica e sentimento, em suma. No fim, o que resta é a impossibilidade de perpetuar a reconciliação entre eu e mundo, de consumar a "entrada no paraíso", a ataraxia de Schopenhauer, a placidez ausente de vontade e busca da vida contemplativa.

Todos os personagens de O homem sem qualidades apenas são importantes na medida em que se relacionam com Ulrich, na medida em que são, inclusive, superfícies nas quais ele mesmo se espelha. Todos eles não deixam de configurar, de certo modo, possibilidades e aptidões do próprio Ulrich. Mesmo o assassino de prostitutas Moosbrugger, o símbolo central do descalabro em que se encontra o mundo, é um espelho no qual Ulrich se vê refletido, já que os delírios do homicida não deixam de ser variações extremas das experiências de Ulrich em relação àquela que chama de "outra condição" (anderer Zustand), de sua busca incansável da liberdade do disparate e da vivência original, paradisíaca. Na segunda parte do romance, aliás, Ulrich passa a vivenciar cada vez mais situações de enlevo quase sobrenatural, em que já não logra mais distinguir os limites espaciais e temporais do mundo que o envolve. Mais tarde Ulrich inclusive tenta a "outra condição" junto com Agathe, sua irmã, a "duplicação assombreada de si mesmo na natureza oposta". O amor mítico-incestuoso entre os dois constitui uma das mais belas e dolorosas histórias de amor da literatura universal.

Muito bom o comentário de Jaime Bulhosa:
Sabem aquele cliché que diz que se detecta um bom escritor logo na primeira frase do seu livro e com apenas alguns capítulos lidos se percebe, imediatamente, se é ou não um bom livro. O Homem Sem Qualidades de Robert Musil é um desses casos. Começa-se a ler e logo se aprende mais nos primeiros capítulos do que em muitos livros juntos.

Deixo-vos com excerto do quarto capítulo que ilustra bem o que vos digo:
«Se quisermos passar sem problemas por portas abertas, é bom não esquecer que elas têm ombreiras sólidas; este princípio, segundo o qual o velho professor sempre tinha vivido, mais não é do que uma exigência do sentido de realidade. Ora, se existe um sentido de realidade – e ninguém duvidará de que ele tem direitos à existência -, então também tem de haver qualquer coisa a que possamos chamar o sentido de possibilidade.
Aquele que o possui, não diz, por exemplo: isto ou aquilo aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer aqui, mas inventará; isto ou aquilo poderia, deveria ter acontecido aqui. E quando lhe dizem que uma coisa é como é, ele pensa: provavelmente, também poderia ser diferente. Assim, poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é. Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais sutil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito. Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza, débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito.»

*"O ser humano é bom se o deixarem em paz".
Musil

Porto Alegre Week



Chegou a nossa vez!
De 02/07/2012 à 15/07/2012
Porto Alegre sedia a terceira edição do Porto Alegre Restaurant Week, com início em 02 de julho de 2012. O Restaurant Week retorna com menus atrativos para mais uma maratona gastronômica nos melhores restaurantes da cidade. A receita é simples: entrada, prato principal e sobremesa a um preço fixo, igual em todas as casas participantes.
Almoço R$31,90
Jantar R$43,90
Os restaurantes participantes e o cardápio estão no site: 
www.restaurantweek.com.br/restaurantes/poa/lista





Cantina do Toco


Domingo é sempre bom sair pra almoçar. Fazer um programa diferente. Com sol, nada melhor do que ir até Ipanema. Água clara, areia limpa, céu azul e belas paisagens. Pessoas fazem exercícios no calçadão. Bichos. Pássaros. 
Conhecemos um lugarzinho bem especial. Cantina do Toco. São duas salas pequenas e aconchegantes. Uma pequena lareira traz um charme especial. As janelas são baixas e os vidros coloridos. Na parede, muitos detalhes. Um rústico com charme. Uma boa opção gastronômica.
Rua Ladislau Neto, 45.
O site do restaurante é muito bonitinho e contém todas as informações:
www.cantinadotoco.com.br









Chopp de trigo e escuro



Filé recheado com batatas ao provolone



Parte externa

Apesar de uma boa carta de vinhos, a especialidade são as cervejas artesanais.
Opções para todos os gostos e bolsos.





A maior novidade fica pra Revista da Cerveja, com tiragem de cinco mil exemplares e edição trimestral. A revista vem suprir o crescente mercado de cervejas especiais e artesanais, assim como o grande contingente de cervejeiros caseiros, artesanais e microcervejarias – e também o universo que envolve a produção cervejeiras, desde equipamentos industriais aos ingredientes cervejeiros.

O Rio Grande do Sul, ao lado de Santa Catarina, é um dos estados que mais produz cervejas, assim como profissionais envolvidos no segmento. Além de microcervejarias e profissionais, que formam a cadeia produtiva da cerveja, também cresce a cada dia o número de bares, pubs, restaurantes e espaços que comercializam este tipo de cerveja e dos seus apreciadores. Importante também registrar o surgimento de entidades e associações representantes ligadas ao meio, como a ACERVA, que este ano está realizando, por exemplo, o VII Encontro Aberto, além de premiações, festivais e outros eventos – todos levando sempre um grande público, sejam leigos ou especialistas.

A Revista da Cerveja traz reportagens, entrevistas, colunistas especializados, perfis e novidades sobre fábricas, gourmets, harmonização, receitas, entrevistas, história, mercado, gastronomia e, sobretudo, o público consumidor.

Custando R$ 10,00 a Revista da Cerveja, será comercializada em bancas especiais, bares e restaurantes. Tem como Editor e Diretor Responsável o jornalista Fabrício Scalco já a Direção Editorial é assinada por Emílio Chagas. Em sua primeira edição destacam-se a reportagem como Eduardo Bier, o fundador da pioneira Dado Bier, entrevista com os colunistas e especialistas de cerveja da revista Playboy, Marcelo Cury e Diego Cartier, receitas e harmonização do chef australiano Greigor Caisley, além do resgate da mais antiga cervejaria do país e o maior colecionador de latas (cheias) de cerveja da América Latina, entre muitas outras novidades.

Eu, você, nós

Eduardo Galeano é um dos melhores escritores que já conheci.
Por acidente ou coincidência, encontrei esta bela entrevista desse "Sentipensante" no Programa O Tempo e o Modo - ATP2, de Portugal (maio de 2012).
Seu depoimento toca na feriada da nossa contemporaneidade. Questões que seguidamente desestruturam o pensar.

Que belo momento este em que estamos! Veja! Quantas são as opções!
É pela diversidade que é possível a escolha e assim conquistar a tão sonhada liberdade. Tornar-se aquele ser pleno e único dentro da esfera global. Mas o capitalismo tem colorido o cotidiano. O arco-íris fica sempre mais além. Estamos cegos de nós mesmos. Somos muito mais do que aquilo que dizem que somos. Olhe pra você. Veja como você é por dentro.

Quem não percebe o consumismo que aflora incessantemente?
Compre isso. Seja aquela pessoa feliz do comercial. Será que você tem aquilo que o fulano tem? Há o meu é que é o melhor! E assim se extingue a nossa humanidade mais essencial.

Mas tudo isso é muito triste. É fugidio. É desumano. Não podemos mais fechar os olhos a pobreza que assola a imensa vastidão do mundo. Como é possível que ainda hoje pessoas percam a vida por falta de alimento?
Não queremos continuar a repetir a história. Vivemos num meio não democrático.
A pobreza não é um destino - é um resultado.
É muito importante o papel da internet nesse tempo. Podemos difundir nossas ideias com maior alcance, expressar opiniões, aprender, ajudar. Mas é uma ferramenta para poucos e poucos são aqueles que dela se utilizam como um meio de construção.
Concordo em absoluto com o escritor uruguaio quando diz que a natureza humana é essencialmente boa e má. Isso é certo. Tudo depende do entorno, do intermédio, dos estímulos. Aquele que rouba, que mata, também é aquele que ama, que sente, que sofre. A história é bem diferente quando contada pelo olhar do "malfeitor".
Sabemos que existem as diferenças e que ela está em todo o lugar. Mas é quando passamos por alguém com necessidades que sentimos ainda mais - é a realidade que pulsa em veias expostas. É triste ver aquele ser ali, deitado no chão (ainda mais nesse frio aqui do Sul). E é ainda mais triste a sensação que fica de ser inútil, de ser aquele que simplesmente olha, passa, vai ao mercado, compra suas "comidinhas saudáveis" e retorna ao lar acolhedor. Tudo já se tornou tão comum.
Sei que muitos de nós tentam mudar esse cenário . Fazemos um pouquinho ali, outra ajuda lá, mas é tão superficial. Precisamos de um grande líder e de uma ampla reforma política. Mas será que estamos a caminho?
As pessoas são boas, conheço muitas delas, mas um prédio bem feito exige um bom engenheiro.
O mundo é desigual nas oportunidades que oferece. E nos dizem que o outro está sempre a nos ameaçar. Assim, o abraço sincero dá lugar ao contato tolerado.
 
Se há outra terra possível, está na barriga desta.
Como a história contada por esse ser "Corpalma" com o amigo e pintor Vargas - Não pintas o que vês mas o que necessitas.
A realidade é real também quando se sonha - diz Galeano.
É um depoimento fantástico. Bom, a paixão em demasia também exagera.