A Fonte da Donzela (1960)

Pássaro que voa acha comida.
Pássaro que fica parado, morre.


Não foi um dos meus filmes preferidos de Bergman, mas mesmo assim, valeu. Como o previsto, trata de questões religiosas, apegos, valores, rancor e compaixão. É como se tudo na vida fosse causado por uma vontade divina. Se é assim, como responder ao horror com o mesmo ódio? Dar o troco, na mesma moeda, corresponde a um drama perpétuo. Enquanto aquele que é mau (por natureza) tem seu sono tranquilo; o outro - o vingador, paga com a culpa eterna (por que é bom).   Na Suécia do século XIV, Töre e sua mulher Märeta formam um casal que tem uma propriedade rural.  Cristãos fervorosos, incumbem sua filha única, Karin, uma bela adolescente virgem, de quinze anos, de levar velas à igreja do vilarejo próximo e acendê-las em louvor à Virgem Maria.
Com licença da mãe, ela veste seu mais valioso vestido e parte, a cavalo, através de uma floresta, para realizar a missão a ela confiada.  Acompanhando-a, segue ao seu lado, Ingeri, uma criada tida como filha adotiva do casal Töre, que se esta grávida (segundo ela, foi forçada a isso). Ingeri é rancorosa, vê na sua má sorte um desprezo pela vida (e por Karin). A donzela, que é reflexo de toda uma pureza que vai além de qualquer personagem atuante.
No caminho, ao passarem por um culto de magia, Ingeri diz à Karin que vai voltar, por achar que anoitecerá antes que elas consigam chegar à igreja.  Decidida a atender ao pedido dos pais, Karin segue em frente sozinha.  Enquanto isso, movida por um enorme ciúme que sente da jovem, Ingeri participa de um ritual do culto a Odin, com a intenção de que algo de mal ocorra à Karin.  Em seguida, passa a acompanhá-la, mantendo uma certa distância da jovem.
Ao encontrar dois pastores de cabras e um garoto, Karin os convida para dividir uma refeição que sua mãe havia preparado para ela.  Em seguida, é agredida sexualmente pelos dois homens, os quais, após estuprá-la, a matam com um porrete.  Ingeri apenas assiste a tudo.
Quando a noite cai, ironicamente os criminosos vão pedir comida e abrigo aos pais de Karin.  São recebidos cordialmente e, depois de acomodá-los, Töre lhes promete trabalho.  Märeta mostra-se nervosa, pois a filha ainda não retornou da igreja, mas o marido tenta tranqüilizá-la dizendo-lhe que em outras ocasiões Karin dormiu no lugarejo.Durante a noite, o irmão mais jovem não consegue jantar e seus sonhos são atordoantes. Eis então, que o garoto olha para o fogo e surge em sua mente a realidade.
Um homem demonstrando piedade lhe diz:"Veja como é a fumaça, tremula pelo teto...como se estivesse com medo.Mas ela só precisa do ar...e lá fora, ela tem todo o espaço para si.Mas ela não sabe disso...por isso fica aqui, trêmula, pressa sob o telhado.Acontece o mesmo com o homem.Ele treme como uma folha ao vento...pelas coisas que sabe e que não sabe.Você tem que atravessar sobre um tronco fino. Tão fino, que não saberá onde se segurar pra não cair.Sob você, há um rio...um rio negro que quer engolir você.Mas você sai ileso.Agora há uma vala à sua frente...tão profunda que não consegue ver o fundo.
Mãos se estendem para você, mas não conseguem alcançá-lo.
Finalmente, você se vê diante de uma montanha de horror. Ela cospe um fogo ardente... e um buraco assustador se abre. Chamas de todas as cores saem dele - cobre, ferro... azul vitríolo e amarelo-esverdeado. Raios saem das chamas que cegam e correm as rochas... e homens parecem indefesos como formigas. Esta fornalha... devora assassinos e estupradores. Quando você acha que está perdido uma mão o agarra... e um braço o abraça e o leva para longe... onde o mal não terá mais poder sobre você".
O temor da mãe se concretiza quando um dos pastores, sem imaginar onde se encontram, tenta vender, à Märeta, um vestido que alega ter sido de uma irmã dele. Ela reconhece o vestido de sua filha e, controlando-se, promete-lhe friamente pensar no assunto e falar com o marido. Ao falar com Töre, os dois têm certeza do triste destino da filha, pois a peça acha-se suja de sangue.
Ao encontrar-se com Ingeri, Töre toma conhecimento dos detalhes do brutal ataque sofrido pela filha, que a levou à morte.  A jovem pede-lhe perdão por se sentir culpada pelo ocorrido à Karin.  Movido por um forte sentimento de vingança, Töre mata os dois criminosos e o menino.
Na manhã seguinte, guiados por Ingeri, todos seguem até o local onde se encontra o corpo de Karin.  Enquanto Märeta abraça-se ao corpo da filha, Töre, em sua crise de desespero, interroga Deus sobre os motivos que o levaram a permitir tamanha tragédia.  A seguir, entretanto, ele implora seu perdão por seus pecados e promete construir, com suas próprias mãos, uma igreja no local, em penitência por sua vingança sanguinária (especialmente pela morte do pequeno menino inocente).
Ao retirarem o corpo de Karin, surge milagrosamente uma fonte de água exatamente no local onde o mesmo se encontrava.Uma lenda medieval sueca inspirou a fábula "A Filha de Töre em Vangé".  "A Fonte  da Donzela", por sua vez, foi baseada nessa fábula.  Realizado pelo grande mestre do cinema sueco, Ingmar Bergman, sua trama gira em torno de uma jovem adolescente e virgem que, ao ser estuprada e morta, faz surgir milagrosamente uma fonte de água no local do crime.
Soberbamente fotografado em preto-e-branco por Sven Nykvist, parceiro de Bergman em inúmeros filmes, esta magnífica produção carrega consigo uma mensagem de fé e esperança do homem, mesmo depois de passar por uma enorme tragédia.




Filosofando

O que vale a pena viver


                                                                   Fotografia: LisianeCK

Revendo artigos armazenados por algum motivo especial, me deparei com este, que hoje trouxe um significado ainda mais importante para mim. Espero que ele também possa fazer com que outras pessoas pensem sobre o assunto e que sejam mais atentas a construção de sua própria felicidade.

A medicina sempre se esforçou – e a ciência moderna tem conseguido – que vivamos mais.

Se apenas o tempo contasse, concluiríamos que todos os muito velhos foram modelos de felicidade, mas, infelizmente, esta equação não é tão simples e seguramente viver bem é mais importante que viver muito.

Este famoso conto da sabedoria árabe ilustra isso com genialidade.

Um homem inquieto conhecido como “O Buscador”, ouvira falar das belezas de Kammir, uma cidade do outro lado da fronteira, e decidiu conhecê-la. Depois de dois dias de marcha por caminhos pedregosos, divisou-a ao longe. Quando subia a colina em direção à cidade, exausto que estava, foi tomado de encantos por um lindo parque com árvores, flores e pássaros, muitos pássaros. Resolveu descansar um pouco naquele lugar.

Recostado numa árvore, percebeu que, ali no chão, havia uma placa, que dizia: “Abdul Tareg, viveu quatro anos, seis meses e três dias”. O homem se estremeceu ao perceber que aquela era uma lápide e sentiu pena ao pensar que a pobre criança vivera tão pouco. Foi quando percebeu que logo adiante havia outra placa que dizia: “Yamir Kalib, viveu cinco anos, oito meses e três semanas”.

Comocionado ao descobrir que aquele lindo lugar era um cemitério, passou a ler todas as placas, e, quando descobriu que quem havia vivido mais tempo mal ultrapassara os 11 anos, foi tomado de uma dor terrível. Sentou, e chorou.

Um velho zelador do cemitério, que passava por ali, não resistiu e perguntou:

“Por que chora, algum parente seu?”

“Não, não tenho nenhum parente neste lugar, mas queria saber que maldição há por aqui que os obrigou a construir um cemitério só para crianças?”

O velho riu, debochado, e explicou:

“Não há nenhuma maldição, o que temos aqui é uma tradição: quando fazemos quinze anos, nossos pais nos dão um caderno de couro como este que trago aqui pendurado no meu pescoço, vê? Quando nos acontece uma coisa boa, abrimos o caderninho e anotamos à esquerda, o ocorrido, e à direita, o tempo que durou o prazer que nos causou.

O primeiro beijo, quanto durou a emoção do primeiro beijo? O minuto e meio do beijo? Uma hora? Uma semana?

E o primeiro amor, por quanto tempo persistiu o indescritível encanto do primeiro amor?

E a empolgação do nascimento do primeiro filho?

E a viagem ao país distante?

E a volta do amigo querido?

Para cada um desses acontecimentos, anotamos o ocorrido e o tempo do desfrutado, por que, quando morremos, nossos amigos tomam nosso livreto, somam todos os momentos felizes e escrevem sobre nossas tumbas.

Porque, para nós, esse é o único e verdadeiro tempo vivido”.
J.J.Camargo – 11/08/2012


Hora, sabemos da extensa quantidade de textos que nos dizem pra relaxar e apresentam métodos de como viver melhor. Não acredito em fórmulas universais. Apesar dos males diversos, como a depressão, atingir a muitos, cada pessoa tem um papel fundamental na criação de sua própria realidade.

Fazer algo que dá prazer é realmente essencial para o bem estar. Obviamente, cada indivíduo admira determinadas facetas que lhes são únicas. Mas, nesse caderninho especial, não conta a repetição. Até mesmo os atos felizes são finitos. Não é atoa que aqueles que gostam de crianças, na sua maioria, tem mais de um filho. Ou quem gosta de viajar, faz uma única excursão. A novidade é algo muito importante para o pensamento. Foram raras as vezes que provei do mesmo prato e o segundo foi o mais saboroso. Ou ir no mesmo lugar. Ah, como é bom inaugurar aquela aquisição que você vislumbra pela primeira vez.

Mas, infelizmente, acomodação é uma grande vilã. Quando não criamos no nosso dia a dia, quem toma conta dos pensamentos, em grande parte, são as más recordações. O fulano que disse isso, a notícia desagradável, o restaurante cheio, a vendedora chata, o trânsito parado, o trabalho a terminar... As obrigações cotidianas deixam a vida sem graça – por mais que ela seja boa. Quebrar o círculo vicioso é uma atitude que pode enriquecer uma vida.

É da condição humana sua brevidade, então... , estar atento a esse restrito período de tempo sob a luz, é uma dádiva que só cabe a nós a responsabilidade.

Nietzsche, em Assim falava Zaratustra, lança um desafio a todos nós, ao sustentar a tão já mencionada lei do eterno retorno.

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vires agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequencia – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.

A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!”

Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim?

Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse”.

O que se destaca nessa vontade filosófica é a superação – a fuga das preocupações triviais.

Crie o destino que você possa amar.

O que somos? É apenas o que somos que verdadeiramente importa. Uma boa consciência, diz Schopenhauer, significa mais do que uma boa reputação. Nossa maior meta deve ser a boa saúde e a riqueza intelectual , que levam a uma fonte inesgotável de idéias, à independência e a vida moral. A tranquilidade interna advém da sabedoria “de que não são as coisas que nos perturbam, e sim a nossa interpretação das coisas”.