Filme Palermo Shooting






Direção: Wim Wenders
2008

Finn é um fotógrafo alemão que está cada vez mais distante de seu trabalho e da realidade em que vive. Não consegue dormir e tem sonhos cada vez mais reais, que o perseguem profundamente. Após uma fútil sessão de fotos de moda, que deixam ele e a modelo profundamente decepcionados, Finn vai a Palermo para fazer, com a mesma modelo, um novo ensaio fotográfico.

Na Itália, ele decide tirar férias para se reencontrar com seu trabalho e com sua vida. Flávia, uma restauradora italiana, aparece e se envolve com o fotógrafo, que começa a ser perseguido por uma figura misteriosa que não se sabe se é imaginária ou real.

O filme contou com o auxílio de dois gênios do cinema que nos deixaram durante o processo: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, que são devidamente homenageados no final da projeção. O filme foi apresentado na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, contando com a presença do diretor em uma das sessões. Wenders apresenta com este trabalho uma série de questões que dizem respeito à maioria dos habitantes de grandes cidades e profissionais de áreas de grande competitividade. O protagonista está envolvido completamente por seu trabalho, porém não sente mais nenhuma paixão ou interesse por ele, realizando-o de forma mecânica ou até mesmo delegando tarefas essenciais aos seus assistentes.

A cobrança interna e externa sofrida por Finn o leva a um isolamento profundo, fazendo com que ele mantenha relações superficiais com a maioria das pessoas à sua volta. Outro aspecto de seu estresse é sua insônia e, ligada a esta, seus sonhos e alucinações. O grande conflito na vida de Finn é como lidar com a morte e, especialmente, com a morte de sua mãe. Os problemas do protagonista são tratados de forma bastante sutil ao longo do filme. A morte da mãe é mencionada somente uma vez pelo protagonista e só aparece novamente em alguns de seus sonhos; não há em nenhum momento uma repetição pedante para que os problemas sejam fixados na mente do espectador. Os sonhos e alucinações, peças chave no processo narrativo estabelecido, recebem um tratamento visual muito interessante. Há uma forte influência surrealista na construção da estética dos sonhos. Logo na primeira cena do filme essa influência é flagrante: Finn, pendurado em um relógio, despenca no vazio até aparecer em frente a sua janela contemplando a cidade. A caracterização do espaço também é influenciada pelo surrealismo: em uma seqüência de sonhos que o fotógrafo tem em Palermo, ele ora aparece dormindo em uma minúscula cama, ora em uma cama gigante. Há também, em seus sonhos, um toque de expressionismo; longas sombras e paisagens fortemente contrastadas concluem a caracterização.

A trilha musical aparece, como de costume na obra de Wenders, com um papel narrativo muito importante. Em diversos momentos do filme Finn se isola do mundo, e essa fuga é construída com a música. Ao colocar os fones de ouvido, a música que o protagonista ouve toma conta de tudo, nos privando de qualquer informação exterior a ela. Mesmo nos momentos em que a música não vem dos fones de ouvidos, ela ajuda a construir um clima de introspecção e isolamento.

A distância da realidade e de seu trabalho também aparece de uma maneira muito sutil: em sua viagem à Palermo, Finn volta a fotografar, hábito que tinha praticamente abandonado em Düsseldorf, deixando-o para seus assistentes e o programa de edição utilizado por eles. Durante essa volta Finn mostra que perdeu a prática perdendo uma série de fotos de rua. Com isso, Wenders consegue estabelecer uma delicada crítica aos fotógrafos e cineastas que ficam fechados em seus estúdios. Enquanto criam seu universo em um quarto, a vida passa por eles e quando, por ventura, decidem capturá-la, ela escapa pelo vão de seus dedos.

A fotografia também aparece com um papel importante na narrativa. É com ela que o diretor cria uma oposição entre Alemanha e Itália. Düsseldorf é fria, metálica, a foto é pouco saturada e levemente azulada criando um clima triste e inóspito para a cidade. Palermo é retratada de maneira completamente distinta: a fotografia é quente e saturada, aparecem muitos tons de vermelho e verde, dando vida para a cidade e criando um clima muito mais agradável do que o transmitido por Düsseldorf.

O desenvolvimento do conflito de Finn ocorre em Palermo. Seus sonhos começam a ser fundir com a realidade. Uma figura encapuzada tenta matá-lo com um arco e flecha em vários momentos. O fotógrafo sempre é atingido e descobre em seguida que se tratava de um sonho. Finn sempre tenta fotografá-la para ter uma prova de sua existência. Em um momento, ao analisar uma de suas fotos no computador ele encontra a figura.

Essa mistura de sonho com realidade aparece como o ponto mais frágil do filme. Ao contrário da sutileza costumeira, Wenders cria um conflito essencialmente de ação e acaba caindo em um dos chavões mais antigos da narração: a quebra de expectativa pelo despertar.

Apesar de ser a grande falha do filme, a interação entre sonho e realidade propicia um dos grandes momentos da história. A figura que persegue Finn é a Morte. No último sonho retratado na narrativa, o fotógrafo se encontra com ela e com isso surge uma das caracterizações mais interessantes da Morte no cinema. A Morte de Wenders lembra em alguns aspectos a de Bergman em O Sétimo Selo. Careca e trajando uma longa túnica, dessa vez cinza, a Morte é sagaz e irônica. Porém a grande diferença, que dá o charme do personagem, é o tema da discussão dos dois. A conversa passa por vários tópicos, no entanto, o que mais chama a atenção é a opinião da Morte sobre a fotografia digital: “o homem não resiste à possibilidade de manipulação, se sente como um Deus”. A fala da morte devolve ao filme o clima que tinha se perdido com a perseguição entre Morte e Finn nas ruas de Palermo.

Aparece, porém, no final da fala da Morte, a outra falha de Palermo Shooting. É decretado que só se é vivo quando não se teme a Morte e que só assim as pessoas podem se ver de maneira pura e verdadeira. Assim, a mensagem que fica é a de um moralismo intenso.

(Felipe Abreu - rua.ufscar.br)



Rumo ao Sopro

        
        Trecho de leitura - Arthur Schopenhauer - O mundo como vontade e como representação

        Em todo grau que o conhecimento brilha, a Vontade aparece como indivíduo.
        No espaço e no tempo infinitos o indivíduo humano encontra a si mesmo como finito, em consequência, como uma grandeza desvanecendo se comparada àquelas, nelas imergindo e, devido à imensidão sem limites delas, tendo sempre apenas um QUANDO e um ONDE relativos de sua existência, não absolutos. Pois o lugar e duração do indivíduo são partes finitas de um infinito, de um ilimitado. Sua existência propriamente dita se encontra apenas no presente, e seu escoar sem obstáculos no passado é uma transição contínua na morte, um sucumbir sem interrupção; visto que sua vida passada, tirante suas eventuais consequências para o presente, e tirante também o testemunho sobre sua vontade ali impresso, já terminou por inteiro, morreu e não mais existe.
        Eis porque, racionalmente, tem de lhe ser indiferente se o conteúdo daquele passado foram tormentos ou prazeres. O presente, entretanto, em suas mãos sempre se torna o passado; já o futuro é completamente incerto e sempre rápido. Nesse sentido, sua existência, mesmo se considerada do lado formal, é uma queda contínua do presente no passado morto, um morrer constante. Se vemos a isso também do ponto de vista físico, é então manifesto que, assim como o andar é de fato uma queda continuamente evitada, a vida de nosso corpo é apenas um morrer continuamente evitado, uma morte sempre adiada.
        Por fim, até mesmo a atividade lúcida de nosso espírito é um tédio constantemente postergado.
Cada respiração nos defende da morte que constantemente nos aflige e contra a qual, desse modo, lutamos a cada segundo, bem como lutamos nos maiores espaços de tempo mediante a refeição, o sono, o aquecimento corpóreo, etc. Por fim, a morte tem de vencer, pois a ela estamos destinados desde o nascimento e ela brinca apenas um instante com sua presa antes de devorá-la. Não obstante, prosseguimos nossa vida com grande interesse e muito cuidado, o mais longamente possível, semelhante a alguém que sopra tanto quanto possível até certo tamanho uma bolha de sabão, apesar de ter certeza absoluta de que vai estourar.
        Vimos na natureza destituída de conhecimento que a essência íntima dela é um esforço interminável, sem fim, sem repouso, o que nos aparece muito mais distintamente na consideração do animal e do homem. Querer e esforçar-se são sua única essência, comparável a uma sede insaciável. A base de todo querer, entretanto, é necessidade, carência, logo, sofrimento, ao qual consequentemente o homem está destinado originariamente pelo seu ser. Quando lhe falta o objeto do querer, retirado pela rápida e fácil satisfação, assaltam-lhe vazio e tédio aterradores, isto é, seu ser e sua existência mesma se lhe tornam um fardo insuportável. Sua vida, portanto, oscila como um pêndulo, para qui e para acolá, entre a dor e o tédio, os quais em realidade são seus componentes básicos. Isso também foi expresso de maneira bastante singular quando se disse que, após o homem ter posto todo sofrimento e tormento no inferno, nada restou para o céu senão o tédio.
        Entretanto, o esforço contínuo que constitui a essência de cada fenômeno da Vontade adquire nos graus mais elevados de objetivação dela seu primeiro e mais universal fundamento, pois, aqui, a Vontade aparece num corpo vivo com o seu mandamento férreo de alimentação. O que dá força a este mandamento é justamente que o corpo é apenas a Vontade de vida mesma, objetivada. O homem, como objetivação perfeita da Vontade, é, em conformidade com o dito, o mais necessitado de todos os seres. Ele é querer concreto e necessidade absoluta, é uma concretização de milhares de necessidades. Com estas, encontramo-lo sobre a face da terra abandonado a si mesmo, incerto sobre tudo, menos em relação à sua carência e miséria. Em conformidade com isso, os cuidados pela conservação daquela existência, em meio a exigências tão severas que se anunciam todos os dias, preenchem via de regra a vida do homem. A isso logo se conecta imediatamente uma segunda exigência, a da propagação da espécie. Entrementes, ameaçam-no de todos os lados perigos os mais variados, para escapar dos quais precisa de contínua vigilância. Com passo cuidadoso, tatear angustiante, segue o seu caminho, enquanto milhares de acasos, milhares de inimigos lhe preparam emboscadas. Assim já caminhava no estado selvagem, assim caminha agora na vida civilizada; não há segurança alguma para ele.
        
        "Ah, em que trevas da existência, em que grandes perigos,
        é a vida despendida, pelo tempo em que dura".

        A vida da maioria das pessoas é tão-somente uma luta constante por essa existência mesma, com certeza de ao fim serem derrotadas. O que as faz, por tanto tempo, travar essa luta árdua não é tanto amor à vida, mas sim temor à morte, que, todavia, coloca-se inarredável no pano de fundo, e a cada instante ameaça entrar em cena. A vida mesma é um mar cheio de escolhos e arrecifes, evitados pelo homem com grande precaução e cuidado, embora saiba que, por mais que seu empenho e arte o leve a se desviar com sucesso deles, ainda assim, a cada avanço, aproxima-se do total, inevitável, irremediável naufrágil, sim, até mesmo navega direto para ele, ou seja, para a MORTE. Esta é o destino final da custosa viagem e, para ele, pior que todos os escolhos que evitou.
        Ao mesmo tempo, contudo, é bastante digno de nota que, de um lado, os sofrimentos e aflições da vida podem tão facilmente aumentar em tal intensidade que a morte mesma, de cuja fuga toda a vida consiste, é desejável e o homem voluntariamente a abraça; de outro, por sua vez, tão logo a necessidade e o sofrimento deem algum descanso ao homem, de imediato o tédio se aproxima tanto que necessariamente ele precisa de passatempos. O que mantém todos os viventes ocupados e em movimento é o empenho pela existência. Quando esta lhes é assegurada, não sabem o que fazer com ela. Por conseguinte, a segunda coisa que os coloca em movimento é o empenho para se livrarem do lastro da existência, torná-la não sensível, "matar o tempo", isto é, escapar do tédio. Daí vermos quase todos os homens, uma vez seguros contra a miséria e as preocupações e após terem finalmente se livrado de todos os outros lastros, se tornarem um peso para si mesmos e olharem a cada hora morta como um ganho, portanto toda abreviação daquela vida cuja manutenção a mais longa possível tinha sido objeto de todos os seus esforços. De modo algum o tédio é um mal a ser desprezado; por fim ele pinta verdadeiro desespero no rosto. Ele faz seres, que se amam tão pouco como os humanos, frequentes vezes procurarem-se uns aos outros, e torna-se assim a fonte da sociabilidade. Também em toda parte, por meio da prudência estatal, são implementadas medidas públicas contra o tédio, como contra outras calamidades universais; porque esse mal, tanto quanto seu extremo oposto, a fome, pode impulsionar o homem aos maiores excessos: o povo precisa de "Pão e circo". O rígido sistema penitenciário da Filadélfia torna, pela solidão e a inatividade, o mero tédio um instrumento de punição: algo tão terrível que já levou detentos ao suicídio. Ora, assim como a necessidade é a praga do povo, o tédio é a praga do mundo abastado. Na vida civil o tédio é representado pelo domingo, e a necessidade pelos seis dias da semana.
        Portanto, entre querer e alcançar, flui sem cessar toda a vida humana. O desejo, por sua própria natureza, é dor; já a satisfação logo provoca saciedade: o fim fora apenas aparente: a posse elimina a excitação, porém o desejo, a necessidade aparece em nova figura; quando não, segue-se o langor, o vazio, o tédio, contra os quais a luta é tão atormentadora quanto contra a necessidade. Quando desejo e satisfação se alternam em intervalos não muito curtos nem muito longos, o sofrimento ocasionado por eles é diminuído ao mais baixo grau, fazendo o decurso da vida o mais feliz possível. Aquilo que se poderia nomear ao lado mais belo e a pura alegria da vida, precisamente porque nos arranca da existência real e nos transforma em espectadores desinteressados diante dela, é o puro conhecimento que permanece alheio a todo querer; é a fruição do belo, a alegria autêntica na arte. Mas mesmo isso requer dispositivos raros e cabe apenas a pouquíssimos e, mesmo para estes, é um sonho passageiro. Ademais, justamente as elevadas faculdades espirituais desses poucos os tornam suscetíveis a sofrimentos bem maiores que aqueles que os obtusos jamais podem sentir, e os coloca, dessa forma, solitários entre seres marcadamente diferentes, pelo que, ao fim, as coisas se equilibram. Todavia, para a maioria dos homens as fruições intelectuais são inacessíveis. Eles são quase incapazes de alegria no puro conhecimento: estão completamente entregues ao querer. Se, portanto, algo lhes granjeia a simpatia e deve ser INTERESSANTE (o que já se encontra na significação da palavra), tem de algum modo de lhes estimular a VONTADE, mesmo que só numa relação distante, situada só nos limites da possibilidade. Vontade que jamais pode ficar fora de jogo, porque a existência desses homens está mais no querer do que no conhecer: ação e reação são seu único elemento
        Não importa o que a natureza ou a sorte tenham feito, não importa aquilo que alguém é ou aquilo que alguém tem: a dor essencial à vida nunca se deixa eliminar.