Apenas poesia

Eu sou a pedra onde se diz adeus,
confluência de encontros, palavras
e soluços ainda não gravados.
Eu sou o silêncio em que se consuma
o gesto final e a partida.
Uma das minhas mãos está voltada
para onde a noite nasce
e os passos iniciam
o rude trajeto da memória.
Eu sou a solidão da madrugada.

A outra mão está voltada
para o país onde as coisas
já se petrificaram.
Aí surgiu o primeiro gemido
e o espasmo da primeira sombra.
Inutilmente podereis gritar
ante um inferno povoado
de tantas estátuas.
O meu próprio desespero é inútil
e continuo eterno,
com os meus olhos de mármore.

(Lúcio Cardoso)