Charles Baudelaire

As queixas de um ícaro

Os rufiões das rameiras são
Ágeis, felizes e devassos,
Quanto a mim, fraturei os braços
Por ter-me alçado além do chão.

É graças aos mais raros astros,
Que o céu envolvem num lampejo,
Que, agora cego, já não vejo
Dos sóis senão os turvos rastros.

Eu quis do espaço em toda a parte
Achar em vão o fim e o meio;
Não sei sob que olho de ígneo veio
Minha asa eu sinto que se parte;

E porque o belo ardeu comigo,
Perdi a glória e o benefício
De dar meu nome ao precipício
Que há de servir-me de jazigo.

(Ícaros, filho de Dédalo, com o qual foi aprisionado por Minos no labirinto de Greta. Libertados por Pasífae, voaram com asas de cera. Ícaro elevou-se tão alto que o calor do sol fundiu a cera e ele caiu ao mar)