Sobre o Tempo

Hans Castorp comentava sobre a desarticulada monotonia da existência rotineira.

"Mas, qual é a origem desse langor, dessa tibieza, nos casos de continuidade por demais extensa e ininterrupta de uma rotina?
Trata-se menos do cansaço e do desgaste físico e espiritual, que causam as exigências da vida - para eles, o simples descanso bastaria como remédio reconstituinte -, do que de algo psíquico: é a consciência do tempo que ameaça perder-se na uniformidade constante, e que liga laços tão estreitos de parentesco e afinidade à própria sensação de vida, que não se pode debilitar uma sem que a outra sofra e definhe também.
Com respeito à natureza do tédio encontram-se frequentemente conceitos errôneos.

Crê-se em geral que a novidade e o caráter interessante do conteúdo "fazem passar" o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e a vacuidade lhe estorvam e retardam o fluxo. Isso não é verdade, senão com certas restrições. Pode ser que a vacuidade e a monotonia alarguem e tornem "tediosos" o momento e a hora; porém, as grandes contidades de tempo são por elas aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada.

Um conteúdo rico e interessante é, por outro lado, capaz de abreviar a hora e até mesmo o dia; mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e vão voando. O que se chama tédio é, portanto, na realidade, antes uma brevidade mórbida do tempo, provocada pela monotonia: em casos de igualdade contínua, os grandes lapsos de tempo chegam a encolher-se a tal ponto, que causam ao coração um susto mortal; quando um dia é como todos, todos são como um só; passada numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos.

O hábito representa a modorra, ou ao menos o enfraquecimento, do senso de tempo, e o fato dos anos de infância serem vividos mais vagarosamente, ao passo que a vida posterior se desenrola e foge cada vez mais depressa - esse fato também se baseia no hábito. Sabemos perfeitamente que a intercalação de mudanças de hábito, ou de hábitos novos, constitui o único meio para manter a nossa vida, para refrescar a nossa sensação do tempo, para obter um rejuvenescimento, um reforço, uma retardação da nossa experiência do tempo, e com isso, o renovamento da nossa sensação de vida em geral.

Tal é a finalidade da mudança de lugar e de clima, da viagem de recreio, e nisso reside o que há de salutar na variação e no episódio. Os primeiros dias num ambiente novo têm um curso juvenil, quer dizer: vigoroso e amplo. Isso se aplica a uns seis ou oito dias. Depois, na medida em que a pessoa se "aclimata", começa a sentir uma progressiva abreviação: quem se apega à vida, ou melhor, quem gostaria de fazê-lo, talvez note com horror como os dias voltam a tornar-se leves e começam a deslizar voando; e a última semana - de quatro, por exemplo - é de uma rapidez e fugacidade inquietante.

Verdade é que a vitalização de nosso senso de tempo produz efeitos além do interlúdio, fazendo-se valer ainda quando a pessoa já voltou à rotina; os primeiros dias que passamos em casa, depois da variação, se nos afiguram também novos, amplos e juvenis; mas esses são somente uns poucos, já que a gente se reacostuma mais rapidamente à rotina do que à sua suspensão.

E o senso de tempo de quem já está fatigado pela idade, em virtude da idade, ou nunca o possuiu desenvolvido em alto grau - o que é sinal de pouca força vital -, volta a adormecer muito depressa, e já ao cabo de vinte e quatro horas é como se tal pessoa jamais se tivesse afastado do seu ambiente habitual, e a viagem não passasse do sonho de uma noite".

Achei muito interessante este fragmento sobre o Tempo.
Temos o costume de pensar que aqueles momentos fatigantes demoram mais a passar, enquanto que, aqueles repletos de novidades e acontecimentos correm como água. Mas, quando olhamos para trás, o que fica são os momentos mais vividos, então esses se tormam mais extensos. Aquilo que vira rotina fica na mente como uma fração "resumida" do tempo - pode ter sido mais, mas vira menos quando tentamos lembrar. Pra sentir então o tempo, seria preciso criar situações marcantes, é isso que vai ficar e constituir um valor às lembranças. Disso decorre o valor de uma viagem, de uma nova leitura, uma descoberta. São essas escolhas que formam e recheiam a nossa mente quando fechamos os olhos. Do nada, resta apenas o nada.