Filme - *A lenda do pianista do mar



Poético – emocionante.

“Ainda me pergunto se fiz a escolha certa ao abandonar a sua cidade flutuante.
E não me refiro apenas ao emprego.
O fato é que, um amigo como aquele, um amigo de verdade, não se encontra outra vez.
Se você decidir abandonar a sua vida no mar e quiser sentir alguma coisa sólida debaixo dos pés, aí sim, você não ouve mais a música dos deuses à sua volta.
Mas, como ele costumava dizer:
- “Nunca estará acabado, enquanto você tiver uma boa história e alguém para poder contá-la”.
O problema é que ninguém acredita numa só palavra da minha história”.
(Max)

Para os apreciadores de uma boa música, do jaz, da filosofia, fica aqui o registro de um filme que vale a pena.
Tem cenas lindas em que é possível admirar os movimentos dos dedos sobre os teclados do piano.
O filme conta a história de um homem que viveu toda a sua vida dentro de um navio.
O “Dom” que nasce e desabrocha em um ser que parecia, inicialmente, que não iria ter muitas oportunidades na vida.
Os desafios.
O amor por uma moça e suas escolhas.
O valor da amizade.

No meio do filme tem um diálogo bem interessante entre *“Milenovecentos” (personagem principal que teve este nome devido ao período em que nasceu) e um viajante:
(as falas de Milenovecentos estão com *).

- "Perdoe-me por interromper mas sua música é muito comovente.
- Quer um cigarro?

- *Não fumo.
- *Não parece muito feliz de ir para a América?

- Não é pela América. É por tudo que deixo para trás. Até há poucos anos atrás, o meu campo era tudo que eu conhecia, abaixo dos meus pés.
O mundo começava e acabava naquele espaço de terra.
Nunca tinha descido a uma cidade.
Talvez você não entenda, mas...

- *Entendo perfeitamente. Conheço alguém que passou por algo parecido.

- O campo dele também secou?
- A mulher dele também fugiu com um padre?
- A febre levou os seus cinco filhos?

- *Não, mas também acabou sozinho.

- Então tenho mais sorte do que ele. Ainda tenho uma filha, a mais nova, ela sobreviveu.
- E foi por ela que um dia eu resolvi lutar contra a minha má sorte.
- Viajei pelo mundo sem destino.
- Então, um dia, quando atravessava uma das muitas cidades que nunca tinha conhecido, cheguei em uma colina e vi a coisa mais linda da minha vida.
- O mar!

- *O mar?

- Nunca o tinha visto antes.
- Foi como se tivesse sido atingido por um raio.
- Porque ouvi a voz.

- *A voz do mar?

- Sim.

- *Nunca ouvi.

- A voz do mar é como um grito.
- Um grito grande e forte, que grita e grita.
- E aquilo que gritava era:
- “Vocês!
- Que tem droga ao invés de miolos!
- A VIDA É IMENSA!
- Consegue entender isso?
- IMENSA!”
- Nunca tinha pensado naquilo, houve uma revolução na minha cabeça.
- Foi assim que decidi mudar a minha vida e começar de novo.
- Mudar de vida, começar de novo.
- Diz isso a teu amigo (guarda este segredo)".

O que marca é que o personagem salienta o valor de uma vida, de uma existência. Dar valor ao que se tem, ao que se faz. Ao que se escolhe. Aquilo que se sabe fazer e que se conhece.
São dedos que tocam as teclas do piano, como borboletas que tocam as pétalas de uma flor.
Alguém que conheceu ao mundo sem nele pisar.
Alguém que arriscava (que ia além da partitura) e que sabia se recolher quando necessário.
No seu restrito mundo, parecia alguém feliz. Feliz com a sua música.

Ainda vale a pena registrar um outro trecho bastante filosófico.
Depois de anos seu melhor amigo (e único - Max) o encontra solitário no navio:

- O que tem feito todos esses anos?

- *Fazendo música.

- Mesmo durante a guerra?

- *Mesmo quando ninguém estava dançando.
- *Mesmo enquanto as bombas caíam, continuei tocando.
- *Até que o navio veio parar aqui. (...)
- *Toda aquela cidade, não se pode ver aonde acaba.
- *O fim?
- *Não foi o que eu vi que me impediu, Max. O que me parou foi o que eu não vi, entende?
- *Aquilo que eu não vi.
- *Em toda aquela cidade dispersa havia tudo, exceto um fim.
- *O que eu não vi era aonde acabava aquilo tudo. O fim do mundo.
- *Um piano, por exemplo, as teclas começam e as teclas acabam.
- *Você sabe que existem 88 delas e ninguém pode te dizer o contrário.
- *Elas não são infinitas, tu é infinito.
- *E naquelas teclas, a música que tu faz é infinita.
- *E eu gosto disso.
- *Consigo viver com isso.
- *Mas me sobe naquela passarela e aponta adiante – um teclado com milhões de teclas que nunca acabam – e essa é a verdade – nunca acabam.
- *Aquele teclado é infinito. E se esse teclado é infinito, não pode tocar nada.
- *Você está sentado no banco errado.
- *Esse é o piano de Deus.
- *Olhou bem para as ruas?
- *Há milhares delas!
- *Como é que tu faz?
- *Como és que escolhes uma só?
- *Uma só mulher.
- *Uma só casa.
- *Um pedaço de terra.
- *Uma paisagem para contemplar.
- *Uma só forma de morrer.
- *Todo aquele mundo é um peso. Sem tu nem sequer saber aonde acaba.
- *Não tem medo de vir abaixo só de pensar?
- *”Essa enormidade de vida!”
- *Eu nasci nesse navio. E o mundo passou pela minha frente, mas apenas 2.000 pessoas por vez.
- *E haviam aqui desejos, mas não mais do que aqueles que cabiam entre a proa e a popa.
- *Eu expressei sua felicidade, mas num piano que não era infinito.
- *Aprendi a viver assim.
- *A terra firme?
- *É um barco grande demais para mim;
- *É uma mulher bonita demais;
- *É uma viagem grande demais;
- *Um perfume forte demais;
- *É uma música que não sei tocar.

Fica o registro de uma linda produção!