Descartes - As Paixões da Alma



(Fotografia - arquivo pessoal)

"Considero que não notamos que haja algum sujeito que atue mais imediatamente contra a nossa alma do que o corpo a qual está unida, e que, por conseguinte, devemos pensar que aquilo que nela é uma paixão é comumente nele uma ação; de modo que não existe melhor caminho para chegar ao conhecimento de nossas paixões do que examinar a diferença que há entre alma e corpo, a fim de saber a qual dos dois se deve atribuir cada uma das funções existentes em nós".

"Nossas vontades são, novamente, de duas espécies; pois umas são ações da alma que terminam na própria alma, como quando queremos amar a Deus ou, em geral, aplicar nosso pensamento a qualquer objeto que não é material; as outras são ações que terminam em nosso corpo, como quando, pelo simples fato de termos vontade de passear, resulta que nossas pernas se mexam e nós caminhemos".

"Há uma razão particular que impede a alma de poder alterar ou estancar rapidamente suas paixões, elas não são apenas causadas, mas também mantidas e fortalecidas por algum movimento particular dos espíritos".

*"É pela sorte dos combates que cada qual pode conhecer a força ou a fraqueza de sua alma; pois aqueles em quem a vontade pode, naturalmente, com maior facilidade, vencer as paixões e sustar os movimentos do corpo que os acompanham tem, sem dúvida, as almas mais fortes; mas há os que não podem comprovar a própria força porque nunca levam a combate a sua vontade juntamente com suas armas próprias, mas apenas com as que lhes fornecem algumas paixões para resistir a algumas outras.
O que denomino armas próprias são juízos firmes e determinados sobre o conhecimento do bem e do mal, consoante os quais ela resolveu conduzir as ações de sua vida; e as almas mais fracas de todas são aquelas cuja vontade não se decide assim a seguir certos juízos, mas se deixa arrastar continuamente pelas paixões presentes, as quais, sendo muitas vezes contrárias umas às outras, a puxam, ora umas, ora outras, para seu partido e, empregando-a para combater contra a si mesma, põem a alma no estado mais deplorável possível".

"A força da alma não basta sem o conhecimento da verdade".
[resistir as paixões presentes que lhes são contrárias. Toda a resolução vem da falsa opinião e do conhecimento ou não da verdade. Jamais ter do que nos lamentar nem arrepender].

"Não existe alma tão fraca que não possa, sendo bem conduzida, adquirir poder absoluto sobre suas paixões".
[O poder do hábito (experiência) - a razão].

- Os animais não têm paixões, visto que a paixão é um fenômeno especificamente psicofísico: eles só possuem reflexos.

Art. 53
"Podemos nos estimar ou nos desprezar a nós próprios; daí provém as paixões e, em seguida, os hábitos de magnanimidade ou de orgulho e de humildade ou de baixeza".

"Tem-se razão de dizer na Escola que as virtudes são hábitos. Os antigos denominavam hábitos qualidades de um gênero à parte, que são essencialmente disposições estáveis que aperfeiçoam na linha de sua natureza o sujeito em que se acham.
A saúde, a beleza, são hábitos do corpo... outros hábitos tem como sujeito as faculdades da alma: tais como as virtudes intelectuais e morais. Admitimos esta última espécie de hábito através do exercício e do costume" [sem o uso mecânico e a rotina].

São seis as paixões:
Admiração; amor; ódio; desejo; alegria e tristeza. (As demais derivam destas).

*"Me parece que o erro mais comumente cometido no tocante dos desejos é o de não distinguirmos suficientemente as coisas que dependem inteiramente de nós das que não dependem de modo algum: pois, quanto às que dependem tão somente de nós, isto é de nosso livre arbítrio, basta saber que são boas para poder desejá-las com ardor".

"É seguir a virtude fazer as coisas boas que dependem de nós - porquanto só de nós é que depende, recebemos sempre a satisfação que daí esperáva-mos".

"Quanto as coisas que não dependem de modo algum de nós, por boas que possam ser, jamais devemos desejá-las com paixão, (...) ocupando nosso pensamento, elas nos desviam de dedicar nossa afeição a outras coisas cuja aquisição depende de nós".
[refletir dobre a providência divina]
*"Não podemos desejar senão o que consideramos de uma maneira como possível".

"Contanto que a alma tenha sempre do que se contentar em seu íntimo, todas as perturbações que vêm de outras partes não dispõem de poder algum para prejudicá-la; mas antes servem para aumentar a sua alegria, pelo fato de, vendo que não pode ser por eles ofendida, conhecer com isso sua própria perfeição" [parecem palavras nietzschianas].

"E, para que a nossa alma tenha assim do que estar contente, precisa apenas seguir estritamente a virtude. Pois quem quer que haja vivido de tal maneira que sua consciência não possa censurá-lo de nunca ter deixado de fazer todas as coisas que julgou serem as melhores, recebe daí uma satisfação tão poderosa para torná-lo feliz que os mais violentos esforços da paixão nunca tem poder suficiente para perturbar a tranquilidade de sua alma".

"Noto em nós apenas uma coisa que nos possa dar a justa razão de nos estimarmos, a saber, o uso do nosso livre arbítrio e o império que temos sobre as nossas vontades" [somente pelas ações]. Conhecer que nada há que verdadeiramente lhe pertença, exceto essa livre disposição de suas vontades.
- Nunca carecer de vontade para empreender e executar todas as coisas que julgue serem as melhores; o que é seguir perfeitamente a virtude.

(fragmentos selecionados do livro "As paixões da alma" - Descartes)